HEROES BLVD

72 10 9
                                    

Cinza, tudo estava cinza.

A esta hora da manhã, Nova York estava unicolor. Graças a minha insistente insônia, pude contemplar a urbe, em seu estado mais primevo. O sol, timidamente despontava no horizonte, dando cores aos seus contornos.

O crepitar do tabaco em contato com a chama rompeu a paz daquele despertar, denotando que não apenas a cidade estava cinza, mas também os meus pulmões, castigados pelo vício necessário. Olhei sobre os ombros, apreciando a mulher que dormia sob os lençóis nevados. Percebi que não lembrava o seu nome, mas apenas que havia me custado cem pratas.

Depois do meu divórcio, percebi que sou um cara difícil. Demorei um pouco para admitir isso, mas depois que você aceita, as coisas ficam menos complicadas. Acho que escolhi a profissão errada. Não me recordo de detetives com casamentos bem-sucedidos.

A tosse se tornou mais frequente e os cigarros eram tragados pela metade. Talvez uma forma de aliviar a culpa por abreviar a minha vida de forma consciente.

Voltei a fitar o horizonte, e o grande luzeiro despontava no céu, iluminando com autoridade a cidade, que despejava em meus olhos suas cores. Acho que isso é o mais próximo que eu poderia chegar da esperança. A quietude foi findada com um grande estrondo. A realidade havia ultimado a utopia.

Uma grande coluna de fumaça e fogo despontou entre os prédios. Instintivamente recuei, e de forma atabalhoada fui jogado ao chão. A mulher que dormitava despertou em sobressalto. Nos encaramos por um momento, tentando compreender o que havia acontecido, e em meio àquele desalinho, percebi que aquela mulher de curvas generosas valia bem mais do que cem pratas.

As viaturas cercaram o local da explosão e dezenas de policiais tentavam conter os curiosos executando um grande arco ao redor dos destroços. A desordem econômica que se abateu sobre o país fez suas vítimas, e sem ocupação, tornam-se páreas, e qualquer evento que fuja a sua rotina, os ajudava a preencher o vazio de seus dias ociosos.

Abri passagem, ostentando o distintivo. Todas as vezes que o exibia, sentia-me como um ranger, semelhante as histórias contatadas pelo meu falecido pai, a respeito dos bravos agentes federais que se forcejavam para manter a paz e a disciplina da lei no oeste selvagem.

As primeiras gotas de chuva caíram, dando o tom daquela manhã. O sol que havia despontado, recolheu-se, deixando a cidade cinza novamente.

— Algum relatório preliminar? — Perguntei.

— Pelas informações que nos passaram, haveria por aqui uma exposição... — Revelou um dos oficiais encarregados.

— Exposição...

— Sim, uma exposição a respeito daquele incidente no mar... faz vinte anos que o navio afundou... — Disse o oficial demonstrando desconhecer os detalhes do fato histórico.

— Titanic... — Elucidei.

— Exato! Este era o nome do barco...

— Transatlântico. — Provoquei. — Vou entrar.

— Como queira... — Consentiu o oficial se afastando para organizar o arco.

Os curiosos haviam sido contidos, mas não a imprensa. Os flashes pipocavam, registrando o ocorrido. Não havia sobrado muita coisa para contar a história. Em meio as cinzas algo despertou a minha atenção. Um brilho, que piscava, reagindo a luz dos flashes. Retirei uma caneta do meu capote e com o cuidado necessário, recolhi a evidência.

HEROES BLVD (Conto)Onde histórias criam vida. Descubra agora