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Nunca fui a maior fã da cor cinza. Desde bem pequena, adorei a tristeza do preto e deixei o branco queimar meus olhos. Mas cinza nunca foi minha cor favorita. É bem verdade que não vivi expressando minha raiva por ela, mas, se você me perguntar, eu digo que odeio o que ela representa: a união de luz e escuridão. Presença e ausência. Tudo e nada. A cor cinza não deveria existir nesse mundo, se você parar para pensar a respeito. Duas pontas opostas não se tocam. Duas linhas paralelas não se encostam. O sol e a lua vão eternamente fugir um do outro.
Então, por que o cinza existe?
Tudo isso não faz sentido. Cinza é uma cor enfadonha e o preto e o branco apenas não combinam, e nunca iriam combinar, independente do quanto as pessoas tentem fazer com que eu engula essa anormalidade das cores. E aí me disseram a pior frase do universo. A pior coisa para se ensinar a alguém.
Sabe o que disseram?
Talvez o preto e o branco tenham se apaixonado. Talvez o universo queira que o sol e a lua se encontrem. Talvez não tenham conseguido evitar.

Sei que eu nunca consegui. Evitar, digo. Não quando o assunto é você.
Pensando em retrospectiva, admito que eu deveria ter percebido mais cedo o que eu estava sentindo por você. Eu nem sempre fui toda sorrisos e brincadeiras, na real, eu geralmente tinha essa cara emburrada de quem tinha acabado de sair da cama apesar de ser cinco da tarde e parecia odiar meio mundo. É  certo que não odiei você de cara nem nada, mas torci o nariz para aquela pessoa que estava com você na época e não calava a boca sobre como você era maravilhosa e que, definitivamente, ela tinha encontrado a mulher certa. Não me considero nenhuma expert em romance ou algo assim, mas era bem óbvio que você não estava cantando aos quatro ventos que tinha encontrado a pessoa da sua vida.
Na verdade, a nossa primeira interação foi você me olhando da unha do pé até meu último fio de cabelo, fazendo com que minha cara ficasse mais vermelha que a camiseta que eu usava. E você percebeu – é claro que percebeu. E começou a rir como se deixar alguém envergonhado fosse sua missão de vida.
Não lembro muito bem o que você falou. Alguma bobagem sobre como você não sabia que ela tinha amigas tão bonitas e esse tipo de merda e eu quis atirar minha cerveja em você. O que, para relembrar, eu eventualmente fiz, mas em outra ocasião completamente diferente. E você mereceu. Você sabe que mereceu.
Mas aquela foi a primeira e única vez que você me tratou como trata todas as outras pessoas. Depois disso, todas as outras vezes que a gente se encontrou você agiu como se eu fosse, surpreendentemente, um ser humano que merece ser olhado nos olhos, não nos músculos, também conhecidos como peitos e bunda. E sempre era extremamente educada, não de um jeito formal, mas único, totalmente seu. Achei que você apenas não estivesse interessada, para ser sincera. Que era assim que você tratava as pessoas quando não queria nada além de amizade com elas.
Mas eu estava errada. Meu Deus, eu estava totalmente errada.

PORRA! Você não pode estar falando sério.” Você gritou, apesar de não ter nenhum barulho na nossa volta.

A gente sempre acabava se encontrando nessas festas – tudo bem, não era assim tão casual. Eu sempre procurava saber onde você estaria. Eu tinha essa mania patética de te stalkear. Droga, eu estava interessada. Extremamente. E gostava de você. Viu? Fazia pouco mais de alguns meses e eu já gostava de você – e acabávamos sentando em um canto para conversar.
Eu já deveria saber, só por isso. Você havia terminado seu relacionamento e não pegava ninguém quando eu estava por perto. Você não desviava o olhar de mim quando alguma loira ficava perto de nós e fazia qualquer coisa para chamar sua atenção. Mas eu nunca tinha estado verdadeiramente apaixonada. Eu não sabia qual era a sensação.
Eu não sabia que essa era exatamente a sensação.

É totalmente sério”, eu respondi, me controlando ao máximo para não rir da sua cara de decepção.

Considerando como você é bonita, eu não deveria me surpreender. Mas você é inteligente demais para gostar de uma coisa tão tosca quanto filmes de terror.” exclamou, crispando os lábios e balançando a cabeça, como se essa fosse a maior ofensa do universo. E eu ignorei a parte em que você disse que eu era bonita. Você só tinha dito isso uma vez, naquela noite em que nos conhecemos, e eu nunca pensei que você fosse repetir porque achei que tivesse sido da boca para fora. Achei que você não pensasse em mim dessa maneira.
Mas eu pensava. Meu Deus, eu pensava nisso o tempo todo. Não que eu adorasse admitir para mim mesma, porém, não conseguia tirar da cabeça esses seus olhos cor de marte e essas covinhas em suas bochechas sempre que sorria. Não conseguia deixar de ouvir sua risada quando o mundo estava escuro e em silêncio. Bem que eu queria. Bem que eu tentei.
Nunca deu certo.

CinzasOnde histórias criam vida. Descubra agora