Capítulo único

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Minhas mãos e braços sempre viviam cheios de bolsas, papéis e materiais de papelaria, ás vezes me questionava em como a minha vida podia ser tão corrida por causa do meu trabalho, aliás, posso dizer que isso é vida? Via minha irmã mais nova em um relacionamento, meu primo quase casado e eu sequer com tempo para pensar em alguém; não que fosse por falta de esforço ou querer, só não conseguia encaixar em minha agenda um possível tempo livre para um encontro.

Aliás, em qualquer evento social que fosse, minha família reclamava a respeito das minhas ausências, meus amigos diziam que eu vivia para trabalhar...e eu não negava, inclusive, tentava ajeitar uma brecha que fosse para dar conta de lidar com tudo, mas nem sempre consigo.

E agora eu estava de férias de meio de ano. Um mês que poderia tentar ser um pouco mais presente em tudo que quisesse.

Meu expediente já havia passado, voltava para minha casa com meu coração cheio de saudade e amor, definitivamente sentiria falta dos meus pequenos. Enquanto caminhava, uma melodia vinda de uma loja de instrumentos me chamou a atenção, tive que parar para olhar dentro do vidro para tentar encontrar quem a tocava.

A música me envolvia a cada vez mais, e meus pés pareceram me levar para dentro daquele lugar, provavelmente em dias normais talvez nunca entraria ali...mas....

Por alguma razão, entrei ali.

Ao fundo, vi um homem de blusa vermelha, seus cabelos eram compridos, sua feição estava serena e parecia atento ao que fazia.

Ele era tão...bonito.

Fiquei por alguns minutos o encarando, como um marinheiro preso em um canto de uma sereia.

Estava tão distraída que mal pude perceber quando a melodia findou e ele passou a vir em minha direção.

– Me desculpe, está aí a muito tempo? - Fiquei mais alguns segundos o encarando, sem dizer nada. - Posso te ajudar em algo? - Perguntou novamente, com um dos sorrisos mais bonitos que já havia visto. – Me deixe ajudar com isso! – Pegou minhas bolsas, colocando em cima do balcão.

– Obrigado e me desculpe... fui atraída pela música que você estava tocando e acabei entrando. - Confessei. - Na verdade, dificilmente entro em lojas de instrumentos, não entendo muito sobre eles.

– Bom...- Ele arrumou os cabelos, sem jeito. - Obrigado.

– Que música é essa? Pode me passar o nome?

– Ela não tem nome, pelo menos, nunca coloquei um.- Franzi o cenho. – Eu que fiz.

– Parabéns, você tem talento. – Kami-Sama, que sorriso bonito que ele abriu...

– Você é muito gentil. - Disse, me olhando. – Eu um dia estava tocando e essa melodia veio em minha cabeça... só toquei.

– E você já fez uma letra para ela?

– Não...

- Por que não? Por que não escreve algo?

Nesse momento vi um homem, daquele tamanho todo ficar sem jeito tal como meus alunos do segundo ano quando fazem alguma peripécia ou estão com medo de dizer algo. Cogitei insistir para que me dissesse, mas tive receio de ofendê-lo em algo.

Ouvi uma respiração mais longa, seus olhos fecharam e ele olhou para o teto...como se tentasse ter coragem para dizer algo.

– Eu...não sei... - Respondeu, timidamente a primeiro momento. Depois, suspirou, indicando que continuaria a frase. - Escrever.

Provavelmente quis esconder minha cara de descrença, ou quem sabe, preocupação; e nesse instante, tudo que sempre disse para meus colegas de profissão veio a tona: Existem talentos e inteligências distintas.

Letras dançantesWhere stories live. Discover now