Retratos de Duas Almas Apaixonadas

Por você, eu perco a razão

Se Cris fosse ser honesta consigo mesma, ela teria que admitir que depois que ela e Daniel se reencontraram, a atriz estava bem próxima de anunciar em outdoors, e pra qualquer desconhecido no meio das ruas de Rosa Branca, que ele era Danilo, seu amor de todas as vidas. O outdoor não aconteceu, mas a atriz fez questão de apresentá-lo até pra quem a conhecia minimamente. Até para a mulher do prefeito, por incrível que pareça. Mas esse encontro foi acidental. Então nada mais do justo, e ela esperava ansiosamente por isso, do que ele apresentá-la a todas as pessoas e lugares que significavam algo para ele. E aqui estavam, em um dos restaurantes favoritos de Daniel em Lisboa, favorito porque havia um piano que havia sido posto ali só para os clientes tocarem. E ele já tocara duas vezes até agora, a segunda música ele dissera que havia composto pensando em Júlia, nela.

Cris notara todos os olhares se fixando em Daniel, que naquele momento se encontrava completamente transfixado pela melodia que saia das teclas, comandadas pelos seus habilidosos dedos.

Cris não conseguiu se concentrar na harmonia dos sons o suficiente, seu olhar continuava sendo arrastado para uma mulher que havia se inclinado por sobre o piano, ela tinha os cabelos muito negros arranjados num coque cuidadosamente bagunçado, de maquiagem só um azul de tom forte nos olhos, e vestia uma bata, com um casaquinho por cima e calça escura. Os olhos dela parecendo estar a ponto de lacrimejar, enquanto quase que 'bebia' cada pequena ação de Daniel em cima do instrumento. Cris não conseguiu evitar pensar consigo própria na hora, "Ah, fala sério, não tem como essa mulher estar realmente chorando. Quem ela está tentando enganar?"

Quando Daniel terminou, ela se inclinou um pouco mais, falando alguma coisa para ele, que em resposta sorriu meio sem graça. Cris não conseguiu mais se aguentar e se aproximou, colocando os braços em volta do pescoço de Daniel por trás, e plantando um beijo em sua bochecha, não se importando em deixar marca de batom pra trás. A mulher ajeitou a postura e se desencostou do piano, apesar disso, sua expressão continuava a mesma, como se quisesse colocar ele num pote e sair correndo. Finalmente ela direcionou seu olhar pra Cris.

- Olá, e você é a...

- Cristina, futura esposa do Daniel.

Cris esticou a mão e apertou com mais força do que o necessário.

- Giovana. - a mulher respondeu, arregalando levemente os olhos.

Depois dessa última apresentação, os três tinham ido se sentar na mesma mesa. Agora, Daniel ria de alguma coisa que a tal Giovana dissera, quase cuspindo a água que acabara de beber. Cris não fazia a menor idéia qual era a razão do riso, porque estava ocupada demais imaginando a morte dela de tantos modos quanto a criatividade a permitisse.

- Senti falta das nossas conversas, meu amigo. - Giovana soltou, levemente.

- Eu também, Gio.

"É 'Gio' agora é?" Cris apertou com força o guardanapo de pano que estava em cima da mesa, até as articulações dos dedos ficarem brancas.

- Eu vou ao banheiro. - Cris levantou-se subitamente, sem esperar pra ver qual seria a reação dos dois. Tomou o rumo do banheiro, empurrando a porta com força. Aproveitando que estava vazio, ela se posicionou em frente ao espelho, apoiando as duas mãos em cima da bancada da pia. O som de uma versão para o piano de 'Black Bird' chegava suavemente, do lado de fora. Cris se concentrou na melodia, contando até dez várias vezes. Levantou a cabeça, inspirou e expirou, lentamente, e saiu do banheiro.

O que viu foi quase a gota d'água e quase serviu pra acabar de vez com toda a tranqüilidade que havia conseguido reunir segundos atrás. Giovana falava alguma coisa no ouvido de Daniel, em seguida colocou a mão no rosto dele e apertou a bochecha.