Conhecendo a Vizinhança

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- Cece! ESTOU FALANDO COM VOCÊ! - Me assustei com o grito perto do meu ouvido. Olhei para frente e vi Isadora me encarando aparentemente irritada.

- O que você disse?

- É a terceira vez que eu vou repetir. Você poderia parar de brincar com o lanche e olhar para mim?!

- Desculpe-me, eu estava pensando em algo...

- Isabel?

- Não tem nada haver com Isabel.

- Você tem que começar a aceitar que não foi culpa su...

- Eu já disse que não tem nada haver com ela.

- Cece, ela...

- Sobre o que você estava falando antes? - A interrompi, fazia 9 meses desde o acontecido, todos queriam fazer com que eu ficasse feliz e que ignorasse o passado, mas todos insistem em lembrar com comentários "autoajuda". Isso não ajudava me nada...

- Bem... Hã... Já sabe qual fantasia você vai usar essa sexta?

- Ainda não tenho certeza. Estava pensando em enfermeira assassina...

- Wow, ótima escolha... Ainda não sei o que usar. - Essa sexta era sexta-feira 13, e como todo ano, a cidade faz uma festa a fantasia na praça principal, em frente à prefeitura. Na verdade Isadora participava do comitê organizador, e por ser minha amiga, eu participo de algumas reuniões, ajudando. Isso também me ajuda a tentar voltar à vida normal que eu tinha antes de tudo.

- Acho que vou para casa.

- Mas temos aula de espanhol ainda.

- Explica que passei mal, eles vão entender...

- Quer companhia?

- Isadora, era uma desculpa... - Vi o rosto dela se iluminar como se acabasse de descobrir algo novo. Apenas ri depositando um beijo na testa dela. Peguei minha mochila e fui para o estacionamento enquanto colocava o fone de ouvido conectado a um iPod roxo. Enquanto me direcionava para minha bicicleta, podia sentir os olhares de alguns alunos. Nove meses, e eles ainda me olhavam com o mesmo sentimento de pena. Odiava isso. Tirei a trava da bicicleta e a montei, consertando a saia xadrez verde do uniforme.

Enquanto pedalava podia sentir o vento frio no rosto, enquanto passava por umas ruas sem movimento eu até fechava os olhos por alguns segundos.

Depois de alguns minutos cheguei à rua onde morava, mas não parei na minha casa, passei direto vendo Sra. Stam regar o jardim da casa do lado a minha. Virei numa pequena trilha com pequenos arbustos logo após o cerco de madeira que envolvia a casa dela. Um minuto depois cheguei ao lago que ficava atrás da minha casa. Mesmo com a piscina, eu e meu pai costumávamos nadar no lago nos fins de semana quando eu era pequena. Ainda tinha o deck que ele construiu com uns amigos para que eu saltasse na água. O lago era enorme e fundo, meu pai nunca me deixava nadar lá sozinha, na verdade era a única regra que ele aplicou em toda a minha vida. Sentei na grama que rodeava o lago, me encostando em uma árvore e tirei o pequeno diário de capa bege da minha mochila.

Terça- feira, 10 de Abril.

Estou aqui de novo, alguns metros de onde tudo aconteceu. Ainda dá pra ver a marca entre os arbustos na pequena rampa de terra que vai diretamente para o lago. Hoje completa exatamente 9 meses. Provavelmente tem algumas pessoas nesse momento deixando rosas nos túmulos deles. Cemitério nunca me fez bem, então prefiro ficar aqui refletindo na beira do lago, me sinto melhor.

Ah nem mencionei. Temos novos vizinhos, se mudaram para a casa em frente a minha. São todos muito adoráveis, principalmente a mais nova. Todos, menos um. Não que eu tenha medo dele, mas não me senti bem perto dele.

StrippedOnde histórias criam vida. Descubra agora