Capítulo Único

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Uma reunião tática, embora no meio da noite e à pouca luz de velas e lampiões. Não podiam se dar ao luxo de gastar energia elétrica, já era luxo que estivessem gastando querosene.

O general falava baixo, assoprando seu bigode branco a cada palavra. Suas asas, velhas e com cicatrizes muitos antigas, arrastavam as pontas no chão, como uma capa anil muito desgastada. Era difícil dizer que aquele senhor já tinha estado em tantos lugares e batalhas, se não fosse pelo uniforme.

O mesmo não podia se dizer do Monstro. Com seu uniforme único e um quepe de coronel, embora a patente fosse não oficial, ele permanecia parado à ponta da mesa, forte e ameaçador. A origem do apelido não tinha a ver com sua aparência; na verdade o jovem era bonito. A pele cinzenta, o cabelo roxo e os olhos que mudavam de vermelho a lilás eram características de seu povo, junto ainda com as presas longas e os dois metros e tanto de altura. Não, o suposto coronel era chamado de monstro por seus feitos na guerra, por ser o mais forte.

"Ele é como um monstro, nunca quebra."

– Em cerca de duas semanas nosso exército deve chegar à Galahair. – O velho general disse, seu bigode se arrepiando como se o nome do lugar fosse um pesadelo. Ele segurou seu lampião sobre o mapa e apontou uma fronteira. - Nós sabemos o que isso significa e que não vamos derrubar a defesa deles tão facilmente.

Uma figura magra se espremeu por entre os presentes, até estar perto da mesa. Fingindo que não tinha se atrasado ou que não estava ofegando por ter corrido até ali, o mago alisou seu uniforme e fez sua melhor expressão séria. Não era mesmo situação para brincadeiras, mas todos bem sabiam que um andar acima os soldados mais comuns comemoravam a vitória do dia anterior. Não era sempre que ganhavam, não havia nunca a certeza de que um novo dia chegaria para eles e qualquer coisa que não fosse a derrota total era razão para se alegrar. O mago desviou os olhos até Monstro, que retribuiu o olhar por momentos, antes de voltar a focar no general.

O mago então começou a prestar atenção, antes que alguém questionasse sua presença ali. Levou muito tempo para ele ser levado a sério para que jogasse tudo para o alto, embora cometesse alguns deslizes às vezes, como se atrasar ou sem querer espiar o que a alta patente andava comentando em segredo. Bem, o mago era de uma raça quase apagada pelo tempo e diferente dos humanos, fadas e lobos, que eram a maioria ali. Ele era pequeno, magro, com orelhas pontudas, dentes pontiagudos e uma aparência que as outras raças simplesmente não sabiam dizer se era de homem ou mulher. Haviam apostas sobre o gênero do mago, mas ninguém chegou a descobrir.

O general continuou falando de Galahair e o pouco bom humor na sala murchou com o passar dos minutos. Quando a reunião acabou a general de brigada estalou o pescoço, fazendo um "track" tão alto que todos compactuaram de um mesmo sentimento: desânimo e exaustão.

– Vão dormir. – Ela disse, rouca, e ninguém ousaria sugerir outra coisa.

O mago saiu depressa, com sua habilidade de se movimentar sem que os olhos comuns vissem, mas parou do lado de fora, encostado na parede suja. Todos estavam saindo, exceto os generais, o que significava que ainda haviam segredos a serem compartilhados aquela noite. Mesmo através da parede era fácil para o mago ver os dois se movimentando para se sentar e conversar e ouvir suas vozes, apesar de precisar de concentração.

O mago aguardou o corredor esvaziar, dando a entender que esperaria por Monstro para irem juntos aos dormitórios, mas escaparia para uma sala próxima e vazia assim que ninguém estivesse vendo.

O último a sair da sala, como o esperado, foi Monstro. Ele fechou as portas atrás de si e se virou para o mago, como se soubesse que ele estava ali antes mesmo de vê-lo. Monstro elevou seu lampião na altura do rosto do mago, o que fez o mais baixo estreitar os olhos para a luz, mas nenhum deles disse uma palavra. O suposto coronel fez uma expressão carrancuda, como se assim pudesse dizer "você não ousaria!", o que o mago respondeu com as sobrancelhas levantadas, claramente "sim, eu ousaria!". Os dois sabiam que ficar enfrentando com olhares era uma batalha de determinação que sempre acabava do mesmo jeito: a rotina era que Monstro desistisse e fosse embora, e o mago continuasse a bisbilhotar até ter alguma informação privilegiada. Mas não naquela noite; num movimento quase brusco, Monstro segurou o pulso do mago, como se fosse arrastá-lo dali.

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