Flor de Narciso

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- Você é um idiota! - foi o que a garota de cabelos castanhos me disse segundos antes de cruzar a porta do restaurante, deixando uma saudosa conta de dois drinques e uma porção de batatas confitadas para pagar.
Eu a conheci no Tinder. Marcamos um encontro e esse já era o terceiro. Depois de duas noites intensas de sexo ela me disse que estava se apaixonando e eu:
- Bom, não sei se é o que eu quero agora - disse, com a voz mais séria que consigo. E com a mesma voz eu completei: Nós nos divertimos bastante, mas...
Ela não parecia convencida e soltou um " garotas não são parques de diversão".
Contei o caso ao Jonas. Meu colega de quarto soltou uma gargalhada.
- Essa já é a quarta, Marcos - me disse ele. - Vai acabar sozinho.
Não seria tão ruim. Eu simplesmente não conseguia entender as garotas com quem saía. Ou queriam demais, ou queriam de menos. E por mais que eu tentasse explicar a minha vontade nunca chegávamos a um acordo. Ou as minhas explicações não eram muito convincentes, ou não eram mesmo. Parecia só ter essa opção. Será que no fundo minha busca não era por alguém como eu?
Fui ao aniversário da Carla na terça. Ela fizera questão de mandar um décimo convite por mensagem, lembrando.
Quase toda a turma do tempo do colegial estava ali. Até Júlia, com quem tive um namorico no penúltimo ano. Fui até ela, com dois copos de vinho tinto.
Ela já estava bebendo, mas aceitou o que eu trouxe. Cortesia talvez.
- Quanto tempo - falei, coçando o rosto.
- É - ela sorriu, o mesmo riso sedutor de que eu me lembrava. - Escutei muito isso aqui hoje. Você não parece estar se divertindo - comentou ela, com outro sorriso.
- Estou sim - eu disse, soando mais incisivo do que pretendia. Não menti. Me sentia contente por estar ali, rever a Carla, a progressão de vida dos meus amigos do Colégio e também a Júlia. Não se nota?
Nós conversamos sobre o passado, até mais do que eu pretendia. Sobre a vida dela, e a minha. Precisei omitir coisas em algumas partes. Por fim, já estávamos falando sobre casais, e eu nem mesmo sabia como tinha ido parar ali.
- Sim, estou solteira. Quero curtir um pouco, sabe? - disse, jogando o cabelo para o lado.
Acabamos na cama do quarto de Carla. A tranza foi boa, até selvagem. Júlia sempre tivera um gosto um tanto sádico. Mas era mais do mesmo:
- Não quero nada sério - disse ela, depois de limpar o corpo. - A gente já tentou algo mais sério, não deu certo. Você é uma ótima pessoa, mas não sei...
Em casa demorei a dormir. Jonas fazia barulho na cama ao lado com sua namorada e tive que me virar para a parede, ou também estaria assistindo.
- Você gosta assim é? - questionava ele, enquanto ela apenas arfava.
Do que importava quem gostava do que? No final ela enjoaria e trocaria ele pelo porteiro. Eu mesmo já os vi trocar flertes. E Jonas também sabia, mas me disse no dia que o contei:
- E qual o problema? Um dia estamos com alguém, no outro estamos sozinho e de novo com alguém. Essa coisa de para sempre é mito cara... tem que aproveitar os momentos como se sua mina pudesse te trocar no outro dia pelo porteiro.
Uma filosofia complicada de vida.
No jardim de infância uma garota me dera uma flor, alegando que nosso amor seria eterno. Eu devia ter uns quatro anos, e amor significava abraço. Fiquei abraçado a ela por quase duas horas, terminei com os braços doloridos. Um amor doído esse. No ensino médio outra garota, com quem namorei por três meses, disse que só se entregaria para mim caso eu a amasse incondicionalmente. Bom, e eu amei. Mas ela terminou comigo uma semana depois, dizendo que não sentia tudo isso não. Fiquei abalado e ela ficou com outro. Será que o Jonas tinha razão afinal?
Na quarta, depois da faculdade, encontrei com uns amigos em um bar. Dois homens e três mulheres. Eles falavam sobre carros, futebol, comprar uma casa e aumento de salário.
Loris pediu silêncio.
- Tenho que contar uma coisa para vocês... eu estou grávida! - como eu estava mais próximo, fui o primeiro a abraça-la.
- Fico feliz por você Loris - disse, buscando ser o mais simpático possível. Mas os outros pareciam mais contentes do que eu com a informação. Talvez porque eu já imaginava que não demoraria muito para acontecer.
Depois de uma rodada de conversas sobre crianças, fraldas, parquinhos e sopa de letrinhas, me levantei e entrei no bar. O balcão estaria vazio não fosse por uma garota de cabelo castanho sentada ali.
Do tinder?, pensei. Mas não, não era ela. Essa tinha as maçãs do rosto mais volumosas e uma covinha se acentuando perto dos lábios.
Parei assim que percebi que a estava encarando. Por vezes as pessoas nos chamam a atenção mesmo sem dizer nada, ou fazer. Feromônios seu bobo.
- Sim, eu deixo você me pagar um drinque - disse ela, de rompante, e me virei de imediato para trás, certificando de que estava falando comigo.
- Eu não...
- Vamos sente aí - ela indicou o banco ao lado. Me sentei, ainda um tanto confuso. Eu não queria pagar nada para ela. - Ta meio emburrado, o que foi?
Fiquei envergonhado. Parecia emburrado? Não estava emburrado com nada.
- Estou bem.
- Eu também estou - ela disse mesmo sem uma pergunta e estendeu a mão. - Sou Beatriz. É, eu sei, pode me chamar de Bia.
- Marcos.
- Viu? Simples.
- O que é simples? - eu me sentia mais confuso do que nunca.
- Cumprimentar uma garota em um bar. Senti o seu receio quando entrou pela porta. Sim eu estava reparando. O caminhado, o movimento da mão, até conferiu o hálito - ela sorriu, me fazendo me sentir um otário. - Não, não sou psicóloga, só já estou acostumado com garotos como você.
Pedi dois drinques. Já estava ali, não tinha porque voltar atrás agora. Garotas com atitude me deixavam sem saber o que fazer. O que às vezes podia ser deliciosamente bom.
- E como são os garotos como eu?
- Eu diria timidez. Mas não, não é. Você usa o tinder ou algo do tipo, ou já saiu com uma colega de trabalho ou cantou uma garota na rua?
As duas primeiras sim, a última não.
- Sim - respondi.
- É como eu então. Só... só não consegue passar muito bem no rosto ou dizer ao certo o que quer, mas seu corpo mostra. Consigo ver.
Fiquei um tanto surpreso. Era a primeira pessoa que me dizia aquilo.
- Eu não gosto de maionese, queria peitos pequenos e quando saio com algum rapaz fico com medo de ser um bandido - ela contou e eu apenas fiquei calado. Pela primeira vez só ouvir alguém falar parecia bem mais interessante do que dizer qualquer coisa. - São monstros, não é? Joga essa maldita pedra na minha cara se não tiver um aí dentro - ela deitou o dedo no meu peito.
Eu tinha que concordar. Mas as pessoas estavam sempre me dizendo como eu tinha que comportar em relação a elas e eu sempre cobrando coisas, ou bancando o saudável emocionalmente. Beatriz me mostrou seus monstros e eu a ela os meus, bom, na verdade ela mesma os expôs sem medo. E o melhor, não saiu correndo como as outras.
- Me paga outra bebida - disse ela, mas ainda que já pudesse ser sua quinta rodada, não parecia bêbada.
- Estou começando a pensar que talvez você esteja me ludibriando com essa psicologia barata só pra que eu pague as suas bebidas - falei, sorrindo.
- E o pior é que é isso mesmo - ela disse, com uma voz entre a sinceridade e a tranquilidade de quem diz "cala a boca e me paga uma cachaça".
Meus amigos não notariam a minha falta. Beatriz dormia em um flat no centro da cidade, e diferente do meu, sozinha. Nós ficamos o restante da noite, e também na madrugada. A garota não sabia muitas posições, o que era bom já que eu só gostava de uma, e o seu beijo não era dos melhores, parecia um tubarão prestes a devorar a boca miúda de um peixe. Sorri com a idéia de que ela podia estar pensando o mesmo sobre mim. Nós repetimos no outro dia, depois do café da manhã. Nenhum dos dois era de negar fogo.
Mais tarde ela voltou ao assunto das expressões. Contou sobre um amigo seu que descobrira ser introvertido e pouco dizia sobre o que sentia. Bom, ele tivera muitos problemas é verdade, mas mudou depois de ler um livro de auto-ajuda. Quem diabos segue realmente o que tem naqueles livros?
- Enquanto a gente treina a expressão, você precisa dizer um pouco mais o que sente. Sei lá, "estou com dor de barriga" ou "tenho borboletas no meu estômago". Fica difícil pedir que as pessoas entendam se não demonstramos nada - disse ela, gesticulando de forma exagerada.
Nós dois sorrimos.
- É um pouco brega a das borboletas.
- Não, não é. E quer dizer "quando estou perto de você, o meu corpo muda".
- Quando estou perto de você o meu corpo muda, literalmente.
Eu a beijei.
- Bem melhor. Continue tentando - ela pegou as chaves. - Você precisa ir agora. Tenho que voltar aquele maldito bar para um teste de emprego. Mas vamos nos ver de novo.
- E quem me garante? - arqueei a sobrancelha. - A última vez que ouvi isso a garota me mandou uma mensagem dizendo que pensou melhor e bom, agora me achava um completo estranho. Estranho é desculpa pra não chamar de idiota.
- Sim, e você também é um idiota. Mas o meu idiota.
Quando dei por mim, estava sorrindo.

Flor de Narciso - ContoOnde histórias criam vida. Descubra agora