desse teu charme nomeal

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João,
Você sabe que eu nunca fui boa com as palavras, palavras no caso que saem da minha boca. Então eu te escrevo, por saber lidar bem com sinônimos complicados e por você não querer mais saber sobre mim.

Você foi (e provavelmente ainda é) o grande amor da minha vida, inteira, por todos esses anos eu nunca me arrependi de nada, a não ser ter te deixado ir. Você vivia reclamando da minha teimosia e como eu irritantemente, palavras suas, estava sempre certa. E eu vivia reclamando sobre como você se importava demais aos pequenos detalhes.

João, eu era o sol enquanto você e seus planetas orbitavam em minha volta e na época você não passava de um mero planeta anão sem muitas importâncias para mim.

Você me amaldiçoou quando eu disse aquelas verdades que só hoje descobri que não se passava de medo. Me amaldiçoou da forma mais bondosa e gentil que vi um homem furioso amaldiçoar, na verdade é quase como uma benção. Você me deu o seu amor. Depois que provei de ti, nenhuma outra paixão pareceu tão quente quanto.

Te convidei para meu casamento esperando que viesse e interrompesse a cerimônia e me levasse embora. Imaginei nos casando apenas aos olhos do juiz de paz e Deus em uma igrejinha perdida. Mas você não apareceu.

Meu primeiro filho recebeu seu nome porque minha língua não aguentava mais ficar seu o gosto desse teu charme nomeal. Meu segundo também e a terceira também me lembra do maior arrependimento. João e Gustavo são homens lindos, ironicamente eles parecem você, carregam e contam histórias que mesmo repetidas me fazem rir, Jeane ganhou o nome da minha antiga cunhada, sinto falta dela, de ambas.

Todos os domingos eu asso um bolo de maçã. Lógico que depois de todos esses anos eu ainda não consegui reproduzir a explosão de sentimentos que os seus traziam. Eu sempre dou o primeiro pedaço para a terra batida em baixo da mangueira (a mesma que a gente plantou), você tem que ver como ela está linda.
Natalina me contou que você casou também, que teve duas filhas e um pequeno pônei com nome de Brigadeiro, que sua fazenda de gado prosperou e que sempre parecia feliz.

Agora lembro de como você era muito bom em fingir estar bem, sinto medo de encara-lo e descobrir que não é apenas fingimento. Que está realmente feliz com uma esposa bonita, com suas duas filhas e sabe-se lá quantos netos. Não posso simplesmente aceitar que nunca mais pensou em nós e em como seriamos felizes de não fosse por mim.

Nossa casinha amarela com quatro crianças brigando entre si não passa de um pesadelo que me acorda no meio da noite.

Sinto saudades, já fazem sessenta anos, mas ainda lembro de você.

Com amor, Inês.

Mil e Uma PalavrasOnde histórias criam vida. Descubra agora