"Pega isso tudo e transforme em algo produtivo". A frase aparecia todas as vezes que ele se sentia desolado. Era acompanhada da expressão serena do amigo, com os olhos encarando o horizonte e o sorriso torto sempre presente. Cena do dia em que ambos resolveram se acomodar longe dos prédios da cidade para acompanhar o pôr do sol.
Quando se viram pela primeira vez naquele dia, o pensamento foi o mesmo para os dois. Porém, preferiram não falar sobre ele e aproveitaram a companhia um do outro. Dividiram salgadinhos e porcarias. Comentaram sobre os últimos episódios do seriado favorito e sobre a ciência necessária para abrir uma lata de sardinha. Usar o abridor requer muita técnica. A luz tornava-se fraca e o assunto que evitavam estava mais perto do que gostariam. Era inevitável. Ele ia para uma universidade na cidade vizinha. Uma hora era o suficiente para ir e voltar, nada de mais. O amigo foi selecionado para uma bolsa de estudos nos Estados Unidos e só feriados grandes justificavam a volta ao Brasil. Foi o último dia juntos naquele ano.
Sentado no banco de madeira, abrigado sobre uma árvore grande e forte, ele via os pássaros voarem para os ninhos. Cachorros e seus donos passeavam, aproveitavam o clima fresco. Crianças corriam umas atrás das outras, sendo observadas por adultos cansados por um dia exaustivo. Porém, de todos, só a saudade resolveu se aproximar. De todos, era a única que ele queria por perto.
Passou a observar o que o corpo escrevia em um bloco de papel apoiado sobre a coxa e já amassado pelo uso. O que estava sentindo era melhor traduzido quando deixava fluir. Não tentava interromper ou entender antes de terminar. Quando a saudade chegava, era só deixar acontecer. Era melhor assim, porque doía menos. Era melhor assim, porque aquela parte do amigo que ficou com ele se tornava mais intensa quando a saudade aparecia.
"Transforme em algo produtivo". Ele fez. Escreveu durante todos os meses desde que o amigo partiu. Algumas vezes, tomava coragem e mostrava algo pelo Facebook. Horários diferentes, as mensagens se tornaram cartas virtuais, sendo respondidas só algumas horas depois. Em outro ano, nas datas festivas que renderam alguns dias de folga, estavam juntos de novo. Fugiram da cidade e sentaram-se para assistir ao pôr do sol. Ele pôs a mão sobre o bloco de papel que carregava alguns dos textos, escritos sob a árvore do parque. Estava ansioso. O amigo pegou a caixa que havia trazido e, tirando de lá, mostrou como ele fazia para regular a saudade. O dia antes da viagem, pintado em uma tela com todo o céu sobre eles. Estrelas e um risco de luz no horizonte. Lado a lado, um deitado sobre o ombro do outro, estavam de costas para quem via a pintura. "É assim que fico perto de você quando estou longe". A ansiedade desapareceu.