Último dia

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É o último dia de férias, logo eu estaria no ônibus a caminho para outra escola esperando por mais um fracasso, mais uma "bomba" para que  no ano seguinte eu mudasse de escola e fingisse que eu não fracassei de novo e continuar no mesmo ciclo vicioso que eu estou a seis anos. Tem seis anos, seis escolas diferentes, duzetos e dez alunos, setenta e dois  professores, só iriam acrescentar trinta e cinco alunos e mais doze professores diferentes, mas no final iria ser a mesma coisa mesmo com tudo desigual.

Sabia que este dia chegaria, o último dia, mas não com tanta rapidez mal pude terminar de ler o os livros que separei para esses dois meses, tenho muita sorte da bibliotecária da minha antiga escola me amar e deixar eu pegar livros mesmo não estudando lá mais. Ainda existem boas pessoas no mundo, infelizmente são poucas.

Os meus planos para o último dia eram os mesmos de todos os outros dias das férias me trancar dentro do quarto ler, chorar e adormecer em cima de um livro qualquer, mas meus pais achavam que isso não era um jeito saudável de viver e me obrigaram a aceitar um pouco de dinheiro e sair para algum lugar, "espairecer" o que eles disseram.

Meu pai me entregou o dinheiro logo a noite, pior coisa que ele podia ter me feito, fiquei horas parado encarando o dinheiro e me perguntando "por que seres tão evoluídos dependem tanto de um pedaço de papel tão pequeno e frágil" por um lado foi bom tive a primeira inspiração em meses para escrever um poema, não foi um poema leve coloquei duras críticas sobre o mundo e a manipulação que o dinheiro faz em nós sem que nos percebemos.

Ainda era cedo não precisaria sair da cama, mas decidi que iria levantar mesmo assim quanto mais cedo eu me levantasse mais cedo não teria que lidar meu pai ou minha mãe e suas chuvas de perguntas de aonde eu iria ou o que iria fazer, se iria levar alguém comigo, fico em dúvida se eles são realmente inocentes em não saber que eu não tenho ninguém ou então fazem isso para de me deixar mal. Eu tenho alguém, mesmo que seja só uma pessoa, é alguém certo? Infelizmente ela mora muito longe e não podemos nos ver com a frequência que eu desejaria, portando iria sozinho a lugar que ainda não decidi e não fazia a mínima idéia do que iria fazer, não acho que meus pais gostariam de saber isso.

Desci até a cozinha e encontrei meu gato, Afonso, ele era o meu pequeno pontinho de luz mesmo sendo um gato preto. Encontrei ele abandonado em um lixão enquanto fazia trabalho comunitário, ao trazer ele para casa foi a primeira vez que vi humanidade em meu pai ao tentar me ajudar a cuidar dele. Felizmente hoje ele está saudável e é o mascote da casa, sinceramente acho que se algo acontecesse a Afonso meu pai morreria do coração. Peguei leite na geladeira e pão integral, tomei um café da manhã razoável tinha dinheiro para pagar comida caso ficasse com fome durante o dia. Subi as escadas silenciosamente para não acorda nenhum dos meus pais ou minha irmã, tomei um banho gelado precisava desse banho de realidade, depois que acordo ainda sinto que estou no mundo criado pelo meu subconsciente, estava frio não como no hemisfério norte onde se fazem temperaturas negativas, mas frio o suficiente para um brasileiro colocar um cachecol, escolhi o meu favorito junto com uma calça preta e um moletom bege peguei minha mochila que ja estava preparada com o que eu precisava: uma carteira, um bloquinho de lápis e dois livros, peguei meu telefone aonde tinha deixado no dia anterior, em cima da cômoda.

Enquanto estava no ponto de ônibus decidi qual seria meu destino,o museu, tinha bastante tempo que não ia e estava ansioso para ver a nova coleção de fósseis brasileiros. Ao chegar ao meu destino eu o vi, ele tinha a pele clara, um cabelo loiro que combinava com seus olhos azuis, ele estava de regata e calça, frio não parecia incomoda-lo, estava sozinho e não parecia esperar por companhia, passei por ele e fui comprar o meu ticket na fila para a entrada percebi que ele também iria para a mesma exposição que eu, poderia agir como uma pessoa normal e tentar puxar um assunto com ele, mas era tímido de mais e tinha medo de incomodar, as vezes desejaria que minhas habilidades sociais fossem melhores para quando este tipo de situação acontecesse, porém a vontade passou rapidamente já que na realidade esse tipo de situação raramente acontecia.

Foi um dia satisfatório, fiquei bastante impressionado com a exposição dos fósseis queria profundamente que as pessoas reconhecem o valor cultural que o Brasil tem para o mundo, mas em vez disso ficamos endeusando países que não se importam com nós. Indo ao ponto de ônibus usei meu passo mais lento, não queria voltar pra casa ainda tinha um resto de dinheiro e eram só cinco da tarde, mas não sabia com o que gastar, um lugar tão grande parecia tão sem opções para quem só queria uma pequena diversão silenciosa fora de casa.

Entrei no ônibus depois de esperar por quase uma hora, não reclamaria da demora, estava até feliz. Reparei que o garoto de mais cedo também entrará no mesmo ônibus que eu se tivesse sorte sentaria longe de mim, por mais que estivesse ansioso por alguma interação humana ao mesmo tempo também não estava, estranho querer e não querer algo ao mesmo tempo. Por sorte (ou nao) ele não se sentou ao meu lado e não olhou para mim em nenhum momento, sei que é tolice mas queria que ele olhasse ao menos uma vez para mim, afinal éramos quase conhecidos, não?  Passei a viagem toda pensando nisso no quanto eu queria que ele me reconhecesse e tentasse conversas sobre nossos interesses em comum.

Ao virar na esquina de casa tentava não me iludir com a idéia de que estariam todos dormindo e eu não teria que conversa com ninguém, infelizmente repetir várias vezes a mim mesmo que eles estavam acordados não diminuiu a decepção que tive quando vi minha casa com as luzes acesas, estavam todos acordados, sentei na calçada e tirei um livro da mochila, decidi que iria ler até pelo menos uma luz se apagar.

Perdi a noção do tempo e quando olhei em meu telefone já eram dez da noite, destranquei a porta com todo cuidado para não fazer barulho e não acorda ninguém claramente não adiantou muito logo ouvi os passos pesados de minha mãe no segundo andar, respirei fundo e preparei meus ouvidos para o que viria a seguir.

- Paulo! Estávamos louco atrás de você! - Ela esbravejou, estava irritada e eu não tinha argumentos razoáveis para combater aquela fúria - Quando falamos que você podia sair não era desaparecer o dia todo sem atender as nossas ligações! Você sabe quantas vezes nós te ligamos?! O que custa não nos matar de preocupação apenas uma vez na vida!

- Estava no museu, com uns amigos - Tive que contar uma mentira para acalma-lá, aliviaria o sermão se ela soubesse que sai com seres humanos pelo menos uma vez nas férias. - Não se preocupe já estou em casa sã em salvo.

- Paulo, sei que você não acredita , mas eu me importo com você e eu fico preocupada quando você some desse jeito! Nunca mais deixe esse telefone no modo silencioso! - Ela estava quase chorando, me senti mal não deveria fazer ela sofrer tanto.

- Tudo bem mãe, prometo nunca mais sumir desse jeito. - Disse enquanto abraçava-a - Vou tomar banho, amanhã é o primeiro dia de aula e quero pelo menos parecer um pouco vivo.

- Ok filho, pode ir me acorde para que eu possa te desejar um bom dia.

- Ok - disse sem vontade enquanto subia as escadas.

Entrei para o banheiro e tomei um banho quente, precisava relaxar meu corpo para ter um noite de sono menos conturbada o possível. Quando terminei vi que meu pai estava na porta me esperando passei por ele sem olhar em seus olhos e fui para o meu quarto, o sermão de minha mãe já bastava por hoje. Deitei em minha cama e imaginei como poderia ser o dia de amanhã fingindo ter algum tipo de controle sobre o destino, adormeci enquanto imaginava como seria o almoço.

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⏰ Last updated: Dec 06, 2019 ⏰

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