Nostaulé

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Denilson havia se tornado lento e inválido para sua profissão pela mesma fratura que levou Alberto. Mas Alberto as teve em mais quantidade, e D. frequentemente pensava que gostaria de ter dividido igualmente os impactos, como sempre dividiam tudo. Talvez tivessem morrido os dois, talvez ambos sobrevivessem com sequelas.

Era um pensamento amargurado e recorrente, porque fosse qual fosse o caso, D. não teria de estar sozinho. Somente Alberto pareceu suportá-lo quando pleno, quem teria a disposição para suportá-lo agora? Sentia saudade e solidão. E medo.

E eram esses os pensamentos amargurados que corroíam a mente de D. enquanto ele caminhava pelos corredores do mercadinho em direção ao caixa. Queria ir embora logo, chegar em casa e se trancar até que precisasse sair novamente para os compromissos obrigatórios, que tinham o poder de trazer pensamentos amargurados com mais facilidade.

Sacar o baixo rendimento de sua aposentadoria privada, fazer compras e pagar contas eram compromissos obrigatórios certos de se fazerem presentes em sua vida. Qualquer outro era alocado junto a um desses sempre que possível. O mundo só havia lhe dado violência, ficar muito tempo nele provavelmente lhe providenciaria um pouco mais.

Seu apartamentozinho era seu refúgio, e tinha pavor da ideia de ter de sair à noite. Todo compromisso era planejado para o dia.

O mercadinho ficava a trezentos metros de sua casa, sem ter de atravessar ruas, somente virar esquinas. Plano, até mesmo confortável, por ter árvores. Mas, ainda assim, fatigoso.

— Calor, não é? — o atendente diz, com simpatia, enquanto registra os produtos que D. trouxe consigo.

— Sim, muito quente — D. responde a contra gosto, não querendo soar grosseiro. Mas tem de falar devagar, e acha que causa a impressão de estar entediado. Continua falando, preocupado em não ofender o atendente: Hoje está quase insuportável.

— Por que você não leva um sorvete? — O atendente pergunta, com tanta simpatia que era impossível determinar se estava cumprindo orientações de vender mais sempre que pudesse, ou se sugeria por ter chegado à conclusão de ser uma boa sugestão por conta própria.

Não importava. A ideia era boa, de modo que D. não viu motivos para não experimentar. Quanto tempo fazia que não tomava sorvete? Se bobear, cinco anos.

Foi até o canto onde ficavam os freezers e começou a avaliar os potes de sorvete.

Os descartou quase imediatamente. Mudou de ideia, eram consideravelmente caros para ele. O dinheiro podia lhe fazer falta.

Por outro lado, notou que havia picolés também. Eram mais baratos, poderia se dispor ao luxo.

Mal decidiu que levaria um picolé, seus olhos caíram sobre um de letras vermelhas. Tanto a cor da embalagem quanto as letras do nome lhe eram bem chamativas.

Abriu o freezer, pegou um e leu sob a dobra:

Nostaulé

Nostaulé® é um picolé nostálgico composto por chocolate ao leite especial envolvido por sorvete de morango sob uma casquinha de chocolate branco crocante. A fórmula especial do chocolate do Nostaulé é gostosa como as lembranças mais agradáveis, quando chupado bem gelado.

Saiba mais em www.nostaule.com

D. compra um Nostaulé.

Deixa para chupar em casa, mas ao chegar em seu apartamento, nota que já começou a derreter.

Decide guardá-lo no congelador para chupar depois, quando estivesse firme, e acaba esquecendo dele lá.

Muitos dias passaram até que ele sentisse vontade de comer alguma coisa doce e, lamentando ter de sair de casa para comprar algo assim, se lembrou de que tinha algo doce no congelador.

NostauléWhere stories live. Discover now