CAPÍTULO 22

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Eu o vi assim que olhei pela janela, na manhã seguinte. Parecia um pouco mais reluzente que da última vez que o vira, como se tivesse sido lavado.

– O seu carro! – disse Alejandra, admirada, olhando pelas janelas da frente para o veículo antigo perfeitamente estacionado ao lado do seu modelo até agora intacto. – Como ele veio parar aqui?

Eu havia programado o alarme do telefone para muito cedo, de modo que conseguisse chamar um táxi, pegar meu carro no cemitério e ainda chegar à livraria bem antes do início do expediente. Eu devia a Monique, no mínimo, chegar cedíssimo e dar uma explicação.

– Ah! Gonzalo. Ele tem uma chave reserva, é? – Alejandra respondeu à própria pergunta.

Tinha.

Era uma das muitas coisas que eu vinha pensando em pegar no apartamento do meu ex-noivo.

E também várias peças de roupa penduradas no armário, artigos de toalete na prateleira do banheiro e alguns livros e DVDs misturados aos dele por todo o apartamento.

– Bem, foi simpático e atencioso da parte dele – disse Alejandra, colocando duas fatias de pão na torradeira. – Não foi?

Dirigi um sorriso amarelo à minha amiga, mas não disse nada enquanto selvagemente passava manteiga em uma torrada e a mutilava.

Acho que aquilo dizia tudo.

Por mais que eu não quisesse, tinha de agradecer o retorno do meu carro.

No fim, escolhi a saída do covarde e agradeci por mensagem de texto.

'Obrigada por buscar meu carro.'. Hesitei, imaginando o que acrescentar. Flexionei os dedos acima da tela, antes de permitir que digitassem velozmente. 'Você pode, por favor , deixar minha chave reserva na livraria, na próxima vez que passar por lá?'. Pressionei o botão "Enviar" antes que pudesse mudar a mensagem – ou de ideia.

– Pronto – falei com um sorriso, recostando-me na cadeira para examinar meu trabalho.

...

– O que você acha?

Minha mãe estendeu ambas as mãos, contemplando cuidadosamente o esmalte cor-de-rosa forte que eu acabara de aplicar em suas unhas. Ela ergueu os olhos para mim e sorriu.

– Ficaram lindas, Bárbara, muito bonitas. Obrigada.

Comecei a recolher os instrumentos de nosso kit de manicure, fechando potes de vários cremes e loções e guardando frascos em uma maleta de maquiagem. Mamãe posicionou a mão de maneira que os raios de sol do fim da tarde, que entravam obliquamente pela janela, pudessem destacar as unhas pintadas.

– Uma cor tão bonita! É exatamente o mesmo tom do Pôr do Sol Magenta do catálogo de cores Fisher, que encomendamos no trabalho.

Olhei para ela com um sorriso triste.

Como era cruel o destino ao decidir que ela deveria lembrar o nome de praticamente todas as cores de um catálogo no qual não punha os olhos havia anos, mas não conseguisse recordar milhares de lembranças perdidas de sua vida como esposa e mãe!

Ambas gostávamos muito daquela hora que, todas as semanas, passávamos cuidando de suas unhas, mas era provável que por razões diferentes. Ao longo dos meses, enquanto lixava, afastava a cutícula e pintava, eu jamais deixara de recordar o que me levara a introduzir aquele novo ritual em nossa vida. Gonzalo e eu tínhamos ido visitar um lar para idosos que alguém havia recomendado, afirmando que possuíam excelentes instalações para pacientes de Alzheimer. É claro que meu pai havia categoricamente se recusado a nos acompanhar, o que, em retrospecto, não tinha sido nada ruim. Não que houvesse algo desabonador em relação ao lar, não fora isso. O prédio era moderno, as instalações eram mais que satisfatórias e a equipe de funcionários parecia simpática e bastante atenciosa. Mas, enquanto percorríamos o lugar – passando pelos quartos que, por mais que buscassem parecer um lar, continuavam impessoais como um quarto de hospital –, uma sensação de imensa tristeza começou a tomar conta de mim. Percorremos um longo corredor de quartos ocupados por idosos de olhar perdido, muitas vezes sentados no escuro, olhando para... o nada.

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