O canto da baleias

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No fundo, todos nós esperávamos o apocalipse. Nós não sabíamos como seria ou quando seria. Haviam suposições: um meteoro gigante, um alagamento causado pelo derretimento progressivo das calotas polares, uma guerra nuclear, vírus zumbi, o anticristo, etc. Acho que todos nós sentíamos que, em algum momento, tudo haveria de acabar. Ansiávamos por isso mas, nunca poderíamos imaginar que seria desta forma.

Começou de maneira simples: corpos de cacatuas, morcegos e águias, espalhados pelo chão do mundo todo. Isso foi piorando, até chegar nas borboletas. Não era uma extinção em massa mas, todos os dias, corpos e corpos de aves cobriam pistas, jardins e telhados. Eu me lembro de ver as manifestações feitas por grupos ambientalistas e, inclusive, uma invasão a uma reunião da ONU, que gerou 12 mortes. E aí, as coisas ficaram mais estranhas.

Um dia, uma garotinha de 11 anos, que passava as férias em uma casa de praia com os avós, saiu de casa de manhã para brincar com seu cachorro. Ao chegar próxima a água, ela começou a gritar, acompanhada dos latidos fortes de seu labrador retriever. Seus avós saíram às pressas de casa e, ao chegarem na parte de fora, observaram, atônitos, aquele acontecimento bizarro: ao olharem para o céu, eles podiam ver... baleias.

Uma baleia tem, em média, algo entre 24 e 27 metros e pesam, em média, 40.000 mil quilos, vivem entre 60 e 70 anos. Agora, essas gigantescas criaturas, pairavam sobre os céus das cidades. Elas eram mais comum em zonas litorâneas e regiões rurais mas, isso não impediu que elas chegassem, eventualmente, nas cidades. Daí, começaram os problemas.

Em um determinado dia, uma escola teve um incidente que gerou um número de 20 mortos. Uma baleia azul caiu sobre o telhado, acertando uma sala de aula da 3ª série, duas professoras e suas respectivas turmas morreram com o impacto. Outros incidentes assim ocorreram, isso piorou quando pessoas começaram a caçar as baleias.

Durante muito tempo, as pessoas discutiram sobre o que estaria acontecendo. Nos jornais, ocorriam, todos dias, entrevistas com diversos cientistas que traziam variadas explicações para o fenômeno: poluição nos mares, consequência do efeito estufa, mudança no movimento do núcleo da Terra, causando uma mudança na atividade gravitacional da mesma e, até mesmo, influência de um planeta que se aproximava para colidir com o nosso – mesmo que não houvesse qualquer evidência disso. Nenhuma dessas teorias se puderem provar verdadeiras e, ainda por cima, deixavam diversas outras perguntas no ar: por que apenas as baleias estavam voando? Por que não golfinhos, lontras, polvos ou tubarões? Ninguém sabia responder.

Meses após a levitação das baleias – momento que ficou conhecido como "Dia zero" -, pouco se falava sobre. As pessoas apenas se acostumaram com a presença imponente das grandes e formosas baleias no céu. Entretanto, outro evento inexplicável aconteceu, dessa vez, muito mais destrutivo. Em uma noite, em vários lugares do mundo, pessoas acordaram repentinamente por causa de um som estrondoso que ecoava pelos céus. Era o canto das baleias, estavam em época de acasalamento. Todas, ao mesmo tempo.

O barulho não era, de fato, um problema para as pessoas. As ondas emitidas pelas baleias eram facilmente isoladas e duravam pouco. Entretanto, para os outros animais, aquele barulho era ensurdecedor. E foi, a partir daí, que o caos começou. Eu me lembro do garotinho de cinco anos que morava do outro lado da minha rua, e que morreu atacado pelo próprio cachorro, um husky siberiano branco. Os pais tiveram muita dificuldade em matá-lo – o enterro foi comovente.

A partir daí, vários casos começaram a acontecer: bebês que morreram por serem estraçalhados pelos gatos dos pais, homens e mulheres devorados por cavalos e vacas em celeiros nas zonas rurais, um zoológico, onde os animais, fora de controle, atacaram 200 pessoas e, após saírem para cidade, fizeram diversas outras vítimas. Esses foram só o início, as coisas pioraram quando percebemos o perigo que abelhas, baratas, borboletas e mariposas poderiam oferecer, quando as nuvens começaram a voar por prédios e casas, matando pessoas por asfixia ou, em alguns casos, envenenadas por um agrupamento exacerbado de insetos. Me lembro de olhar para a rua e ver tudo escuro, por conta da grande quantidade de bichinhos.

Isso durou por, pelo menos, dois meses. Haviam equipes de extermínio de pestes e caça de animais por todos os lados. Era um estado de calamidade pública e, a maioria de nós, não sabia o que fazer para, sequer, se proteger. As casas ficavam o tempo todo seladas e, as pessoas, evitavam o contato externo o máximo possível, deixando seus trabalhos e afazeres de lado. Eu me lembro claramente de acordar um dia e ver as ruas desertas, como nunca antes.

O clima, de repente, esquentou muito. Aqui na minha região não costuma ser quente, mesmo quando o sol aparece, o vento é gélido e forte mas, naquele momento, fazia calor, o dia inteiro. Isso gerou dois problemas: o primeiro, é que se tornava muito mais difícil ficar em casa o dia todo por conta do ar abafado, as casas daqui não tinham ar condicionado nem nada do tipo, todos estavam acostumados com o frio; o segundo é que, as baleias, faziam cada vez mais barulho, o que deixava os animais ainda mais estressados e, para piorar, elas começaram a morrer, cada dia mais, caindo sobre prédios, casas e qualquer coisa que estivesse no caminho. Não era seguro ficar em casa, tampouco nas ruas.

Baleias enormes caindo por todos os lugares, animais fora de controle, nuvens e nuvens de insetos e o clima disfuncional. Não havia mais o que questionar, todos sabiam: o fim do mundo começava. O que você que você faz quando o mundo está acabando? Essa era a única pergunta que pairava na mente das pessoas.

Bom, algumas delas montaram cultos religiosos para procurarem a salvação, outros se mataram ou aderiram ao uso desenfreado de bebidas e drogas e, obviamente, outras aceitaram a iminência do caos total, cometendo crimes e expondo seus lados mais agressivos. Daí, criamos o quinto grande problema: a instabilidade humana.

Não demorou para que notícias de vandalismos em maçã, arrastões, sequestros, homicídios e outros crimes, em escala nunca vista antes, começassem a ser exibidas nas mídias. Porém, também não demorou para que as mídias começassem a sair do ar. Nos tornamos a verdadeira ameaça do mundo. Maior que as baleias e as nuvens de insetos. Éramos o âmago do caos.

Talvez você se pergunte, o que eu fiz em meio a tudo isso? Eu sou um homem que viveu muita coisa: eu lutei em guerras, matei mais pessoas do que gostaria de admitir, vi minha mulher morrer de câncer. Eu não me abalei com nada que estava acontecendo. Eu apenas observei, torcendo para sobreviver um dia a mais. Eu plantei flores, para passar o tempo. E foi assim, que eu descobri: o canto das baleias, deixavam os animais e as pessoas agressivas mas, as flores, elas reagiam diferentes, eles se tornavam mais fortes e mais vivas, isso me ajuda a sentir alegria durante os dias que se passam.

Mas, apesar de tudo isso, o fim é inevitável e ele, finalmente, parece ter chegado. Ontem, um pouco próximo do crepúsculo, todos, no mundo todo, puderem observar, no céu avermelhado, mais do que nunca, os tentáculos gigantes, os olhos profundos e o rugido feroz que ecoava pelos céus. Ele estava lá, em sua imponência e fúria, dominando os céus. O Leviatã, a grande fera, escondida por todos esses séculos no fundo dos mares, agora estava lá, em um espaço aberto, livre e recheado de grandes baleias para sustentá-lo. Mas, nós sabemos, as baleias irão acabar e, uma hora, ele precisará de mais comida e olhará para baixo. Além disso, nós sabemos, com absoluta certeza, que ele não é a maior criatura escondida nos mares, porque, quando ele saiu, ele estava fugindo do subsolo. 

O canto das baleias (Conto)Where stories live. Discover now