Harry estava cansado, essa era a coisa. Uma semana inteira voando na vassoura havia exigido demais de seu corpo. Ele já estava de volta a Braga há alguns dias, mas suas pernas ainda doíam horrores. O vento estava implacável durante a jornada, mas Harry realmente precisou fazer uma parada no México para comprar as pitaias cor-de-rosas. Talvez ele tenha feito um pernoite para saborear alguns tacos, mas essa não era a questão.
Seu jardim podia ficar semanas sem cuidados. Após muito tempo treinando como enfeitiçar os regadores para que funcionassem sozinhos, Harry havia conseguido. As gavinhas cresciam furiosamente e por si sós, entrelaçando-se umas às outras e subindo pelas paredes de pedra. A porta dos fundos levava até o jardim e, mesmo morando lá há anos, Harry ainda estufava os pulmões com gosto ao inalar a clorofila.
Embora gostasse muito de onde morava, sentia uma liberdade quase onírica sempre que voava sobre a vassoura. Observar o céu mudar de cores e a discreta dança dos ventos eram privilégios incomparáveis. Ele podia empetecar seus cachos com bandanas, colocar seus melhores óculos de aviação e esquecer do caos do mundo humano, sempre tão hostil, quilômetros abaixo de seus pés.
Naquele momento, ele descia as escadas de seu modesto apartamento, chiando entre os dentes e apoiando o peso inteiro de seu corpo nos corrimões. Seus músculos pinçavam sem cessar e nenhuma de suas receitas foi capaz de amenizar as estirações. Felizmente, ele morava em cima de sua loja, o que significava que ele não precisaria se locomover muito.
A Orquídea Negra era um estabelecimento pequeno. Todas as prateleiras eram de carvalho entalhado e os frascos eram organizados alfabeticamente, cada um levando uma etiqueta prateada como identificação. Os produtos eram protegidos por redomas de vidro, abertas somente com a chave que Harry sempre carregava na bainha das calças. Em hipótese alguma, artigos tão poderosos poderiam acabar em mãos erradas.
O carro chefe da loja, todavia, eram as bombas de banho. Essas eram mantidas detrás do balcão, já que Harry acreditava que eram potentes demais. Mesmo quando as vendia, o cliente só poderia por os olhos nela e segurá-la em mãos quando estivesse prestes a usá-la. Por esse motivo, elas eram embaladas em papel presente antirreflexo.
O esquema era simples: o cliente dizia do que precisava e Harry indicava o produto mais adequado. Harry nunca havia errado um diagnóstico. Após anos praticando magia e convivendo com humanos, ele havia decifrado cada uma de suas peculiaridades com facilidade. Humanos eram egoístas, soberbos e megalomaníacos. Mas também ansiavam pelo amor, eram inseguros e fascinados pela vida. Não importava quantos livros ou filmes sobre a vida humana Harry tivesse lido ou visto, observá-los era sempre muito mais intrigante.
Sua viagem ao México havia acumulado dezenas e mais dezenas de pedidos. Ele sabia que deveria fechar as encomendas enquanto viajava para coletar os ingredientes, mas seu coração sempre ia contra. Havia algo muito reconfortante em voltar exausto e faminto e encontrar a caixa de correio lotada de pedidos até a boca.
Ele já conhecia a grande parte dos clientes, a maioria sendo velhos amigos e moradores das redondezas. Todas as semanas, entretanto, novos nomes apareciam nos envelopes. Não era como se A Orquídea Negra distribuísse panfletos por aí. Harry achava que os fregueses de longa data deveriam estar divulgando no boca-a-boca. Se continuasse nesse ritmo, ele teria que contratar um ajudante. Algo improvável, já que ele não confiava em ninguém.
Harry não havia começado a loja pelo dinheiro. O negócio tinha vindo à vida unicamente pela sua natureza altruísta. Desde pequeno, ele tentava canalizar seu dom ao máximo. Aos cinco, percebeu que as flores de sua mãe cresciam mais rápido quando ele passava tempo no jardim. Aos nove, desconfiou de que manjericão e laranja foram o que fizeram com que ele passasse em Geometria. Ele não sabia nenhuma das fórmulas e só havia usado o compasso para desenhar bolinhas. Aos quatorze, já tinha total ciência do poder que possuía – embora não tivesse um nome para ele – e começou a aperfeiçoá-lo.
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spellbound (l.s.)
FanfictionHarry é um herbologista com um pé na magia. Ou, se preferir, um bruxo com um dedo verde. Dono d'A Orquídea Negra, sua modesta loja de artigos mágicos, acaba sendo surpreendido por um cliente fora do comum. Louis Tomlinson, o bilionário que acabou de...