As bruxas e o vinho

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  -Bendito seja deus que nos uniu no amor de cristo.- dizia o padre.
  - Ele está no meio de nós.- respondia a multidão
  - Estamos aqui reunidos em prol do Santo amor de nosso senhor jesus cristo, em nome da sagrada tríplice e do poder que me foi concedido pelo sagrado Espírito Santo eu condeno as bruxas a morte, pelo fogo, ele à de purificar suas almas pagãs.
Demeter, a mais velha seria a primeira. Foi separada da fila das moças que esperavam em silêncio pela morte. Em seguida Artemísia, ela foi consumida pelas chamas em poucos minutos. Então Agnes, seus belos cabelos vermelhos e seu belo corpo feminino foi reduzido a cinzas. Foi o cruel destino que 19 das 20 sacerdotisas tiveram. A mais nova, a que chorava, foi poupada das chamas. Ela assistia suas irmãs serem mortas daquela forma brutal. Gritava, tentava se livrar das cordas, gritava desesperadamente palavras em um grego antigo e esquecido. Aos 16 anos foi amarrada pelos soldados da santa inquisição em um tronco numa praça de frente a igreja. Deveria morrer de fome. Deveria, mas não morreu. Foi poupada por Zeus que se irritou ao ver sua sobrinha ser submetida à tal situação.
    -Matem as bruxas! Matem as bruxas! Elas são meretrizes do demônio e estão aqui para nos trazer pestes e desgraças! Matem as bruxas! Matem-nas!

Perséfone levantou subitamente. Tapou a boca ao perceber que gritava. Já era noite e Armand e Marius entraram correndo no quarto em que ela estava. Lágrimas de nanquim desciam por seu rosto e manchavam a túnica branca de dormir. "Queimem a bruxa" a voz em sua cabeça entoava e ela repitia sem perceber. Falava em um latim fluente, o latim dos padres, latim dos monges, latim de seu captores, dos assassinos de suas irmãs. Balançava seu corpo para frente e para trás freneticamente até que esqueceu de respirar. Armand sentou na cama, aninhando-a em seu colo e Marius ficou ao lado dos dois:
   -Perséfone! Perséfone olha para mim, olhe! Sou eu, Amadeo. Calma. Tá tudo bem.- ela puxou o ar com força tentando fazê-lo voltar para si. Tossiu. Soluçou mais algumas lágrimas e se acalmou.
   - Amadeo, deixe-a respirar.- o ruivo percebeu que a abraçava com força. Soltou-a. A menina desabou no chão de madeira, não por atenção mas por puro desespero. Estava ajoelhada, encolhia-se.
   - Façam parar! Por favor façam parar!
   Ela tinha os punhos cerrados e golpeava a própria cabeça. Marius segurou as mãozinhas antes que ela se machucasse e pediu que Amadeo ficasse na frente dela, que tentasse acalma-la. Quando ela conseguiu se recompor estava envergonhadíssima. Desculpou-se algumas centenas de vezes. Marius decidiu que seria melhor se ela se lavasse e que tentasse se recompor. Disse que ela teria algumas tarefas a fazer para tentar distrair sua mente. Ela concordou e passou alguns minutos no banheiro. Esfregava seu corpo com a bucha de forma compulsiva até sangrar. Vestiu um moletom simples que deveria cobrir seu corpo machucado. Foi para a sala, Armand tinha deixado um coração ovelha em um prato para ela e Marius a esperava ao lado de Sibelli com duas enormes espadas Vikings:
     -Vai ensiná-la a lutar, podem ficar no jardim e tentem não quebrar nada.
     - Sim senhor.- disse Perséfone sorrindo.- Será um prazer ensiná-la Sibelli e peço se possível que depois me ensine a tirar aquelas notas tão preciosas do piano.
      A mais nova concordou e elas se dirigiram ao jardim onde passaram horas. Todas as noites Perséfone passaria horas treinando aquela garotinha frágil até à exaustão. Somente quando terminavam ela se alimentava.
    Às vezes ela escapulia da casa seguindo secretamente Armand até uma capela onde ele guardava ícones esculpidos em madeira. Ela o admirava trabalhar na manutenção das estátuas. Amava a cor que os cabelos cobre ficavam quando iluminados pela luz amarelada que pendia do teto. Às vezes ela saía para bares para tentar se sentir uma garota normal e embriagava-se com uísque, vinho, licor, vodka ou cerveja. Em uma noite ela caminhou tonta e cambaleante até a capela para ver Armand que claramente notou sua presença. O cheiro de álcool intoxicava-a. Levou-a para casa. Claro que não deixou os pequenos verem ela daquele jeito e claro que precisou implorar a Marius que não tomasse decisões precipitadas. Claro que ele não foi ouvido.
   O ruivo foi enxotado do quarto da menina e da porta só pode ouvi-la chorando e gritando palavras desconexas. Marius falava baixo, mantinha a compostura mesmo nesses momentos. Apesar de estar gritando, ela o adorava. Apesar de tê-lo irritado, ela o adorava. Os gritos pararam, ela se aquietara, apenas aquele choro insuportável e o barulho da antiga vara dos professores soando no ar e batendo na pele humana dela. Armand queria entrar, quis deter Marius mas o próprio Loiro se deteve antes que seu aprendiz tomasse qualquer providência. Abriu a porta e saiu do quarto. A menina estava na cama. Chorava baixinho não chegando a soluçar, apenas deixava que suas lágrimas caíssem:
    -Eu me odeio!- ela protestou quando Armand entrou no quarto. As vestes dela sujas de sangue nas cochas. O ruivo se aproximou, sentando ao lado dela. Parecia mais sóbria. Carregou-a como fazia antigamente, levou-a até o banheiro onde colocou-a debaixo da água fria.
    - Tudo bem anjo, nós não odiamos você, não se odeie.

Perséfone de HadesOnde histórias criam vida. Descubra agora