Ah, querida, eu sou aquela que você come
dentro do armário
em segredo
sem que ninguém mais possa saber
Eu sou a pessoa que você finge não conhecer
que você olha e desolha
a quem nem um sorriso pode dirigir
Eu sou a pessoa que não pode se aproximar
que precisa manter o silêncio
que não pode desfazer esse seu teatro
Sou aquela a quem você elogia
a quem enche de amor
a quem paparica
Mas em segredo
dentro do armário
em pensamento
Shiiii, é segredo!
É segredo porque você tem que continuar mantendo a pose
Desfilar entre seus amigos que me renegam
Ouvir, apoiar, repetir cada ataque contra mim
É segredo porque você tem que ser "mais um"
Soltar seus comentários ácidos a meu respeito
Apontar cada um dos meus defeitos
Rir pelas minhas costas
Eu sou o apoio não dado
os elogios não feitos
as juras que você faz a plenos pulmões dizendo que não conhece
que não gosta de mim,
que nunca chegou perto e que nem vai!
Eu sou tudo isso enquanto também sou o seu pedido por mais,
o seu clamor pela continuação do que te ofereço
A sua vinda secreta, na calada da noite, para saber o que há de novo
Eu sou a proibida
a que não deve ser aplaudida
a que se deve odiar em público
e com quem se deliciar quando ninguém mais pode ver
Sou a amante que te vê passear na rua com a família feliz
e que ri desse teatro tosco por saber o que você faz escondido
Que ouve seu discurso moralista
enquanto empilha prova por prova contra você
Não, não se engane
Eu não to aqui para pedir o seu reconhecimento
Eu não ligo para a sua covardia e sua mania de seguir a manada
Não vim pedir por elogios, por defesa,
pelo meu nome impresso no seu peito ou por uma vaga na sua lista
Não fui a primeira pega nessa armadilha nem serei a última
Eu já entendi como o jogo funciona
Sei que o brilho dos holofotes sobre mim não é para apreciar o espetáculo,
mas para assistir de camarote minha queda, cada falha, cada deslize que pode e será usado contra mim
Ainda assim, você assiste
em segredo, em silêncio
bem como seu amigo, e o outro e o outro também
Todos vocês saindo do mesmo armário
num acordo mudo de que não sabem a verdade
de que nunca souberam
de que a farsa precisa ser mantida
e por isso vão aos berros tecer a crítica da semana
Mas sabe...
Eu sou a cortesã que sabe o que faz e como faz
Só isso já me é suficiente
Por isso eu peço, somente, que se cale
Engula essas suas mentiras
Envenene-se com seu próprio ódio gratuito
Poupe-se do teatro
Poupe-me da falsa cortesia
Poupe-nos desse nosso relacionamento tóxico
Quer me comer?
Coma!
Não quer contar que comeu?
Não conte, é um direito seu, eu não ligo
Mas limpe a porra da boca antes de difamar o meu nome
porque uma hora isso cansa
E, quando eu cansar,
é você quem vai passar fome.
Atenciosamente,
A puta alérgica que não foi feita para permanecer calada no armário
enquanto você bota fogo nele
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Alérgica a Armários
PoetryQuer me comer? Coma! Não quer contar que comeu? Não conte, é um direito seu, eu não ligo. Mas limpe a porra da boca antes de difamar o meu nome, porque uma hora isso cansa. E, quando eu cansar, é você quem vai passar fome.