Capítulo I

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Fugir de casa não é fácil, mas convenhamos, se fosse eu não estaria aqui agora. Para começar, você deve estar se perguntando quem sou eu. Para minha mãe, sou a perdida da família. Para o cara que eu gostava, um corpinho fácil para se ter. Para mim, bem... isso eu não sei ainda.

Era de madrugada quando decidi que tinha de ir embora. Neste exato momento me encontro no portão da casa da minha melhor amiga, esperando sua boa vontade de se levantar rápido e me tirar desse gelo.

Noah e eu nos conhecemos no 6° ano da escola quando ela me salvou de ser eternamente presa em uma masmorra, ou pelo menos pensei que fosse ser.

Vivemos num país pequeno de regime Monárquico, Merachi é comandada pelo Rei Alfred e a Rainha Geórgia. Uma vez por ano o Rei e a Rainha abriam as portas do Palácio Real de Merachi para as escolas de todo o reino, como forma didática sobre política e sobre a nossa história. Apesar de passarmos a tarde inteira conhecendo lugares diferentes do castelo, haviam salas que não podíamos entrar.

— O que você está fazendo? — perguntou uma menina com cara de sonsa.

— Eu quero ir ver mais — falei baixo para que nossa instrutora não ouvisse.

Continuei andando até um corredor cheio de quadros que eu nunca tinha visto antes. Haviam Reis, Rainhas, Duques e Duquesas. Eu adorava olhar aquelas imagens ricas em detalhes e imaginar como eram cada uma daquelas pessoas, todas muito bem vestidas e que exalavam elegância através das telas.

— Por que nenhum deles sorri? — falou aquela mesma menina de antes.

— Eu não sei, talvez o pintor não soubesse fazer dentes — respondi pensando na questão.

— Tem razão, talvez seja isso.

— O que estão fazendo?! — Uma voz grossa ecoou do final do corredor.

— Corre! — gritou a garota me puxando sem pensar duas vezes.

Corremos até despista-lo. Nos perdíamos mais a cada corredor novo em que entravamos.

— Obrigada, se não fosse você, acho que iríamos parar no alto de uma masmorra — falei ofegante enquanto parávamos para descansar.

— Eu também acho — falou ela igualmente sem fôlego.

— Como se chama? — perguntei constrangida ao perceber que nunca à havia notado antes.

—Sou Noah.

— Eu sou Madgie.

— Sei quem você é, somos da mesma turma — falou de forma óbvia.

Desde esse dia Noah vem sempre me livrando de confusões e encrencas em que eu a vida me coloca.

— Finalmente, pensei que eu fosse fazer aniversário te esperando aqui do lado fora — falei ao entrar enquanto ela me mandava fazer silêncio.

— Eu preciso ser cuidadosa, se alguém acordar e te encontrar aqui a essa hora, já era para nós duas — falou cochichando enquanto trancava o portão cautelosa e lentamente.

Subimos a escada na ponta dos pés até seu quarto.

Assim como a maioria das casas aqui em Merachi, a casa de Noah era grande e espaçosa. Morávamos perto do centro da cidade; minha casa ficava logo uma rua a cima da dela, facilitando em cem por cento na minha... como posso dizer... fuga?

— Quando pretende voltar? —perguntou me dando espaço para deitar ao seu lado.

— Logo, ou você acha que eu deixaria para trás todos os meus sapatos? Nunca. Só quero um tempo livre, sem todas aquelas cobranças de sempre...

— Quem dera meus tipos de problemas serem esses — disse enquanto olhávamos as estrelas coladas no teto de seu quarto, até que enfim adormecemos.

— Mad, acorda, anda Mad, acorda. -— A voz de Noah aborrecia meus ouvidos logo cedo.

— O que é? Eu ainda estou com sono — resmunguei me virando de lado.

— Seu pai está aqui.

Meu pai não era do tipo cruel, mas ouvir aquela frase estremeceu meus ouvidos. Eu sempre tive uma boa vida, não posso reclamar. Mas a última coisa que eu queria naquele instante era ter que voltar para casa.

Meu pai era Michael Gowel, empresário, herdeiro das Indústrias Gowel, fundada pelo meu avô Hudge Gowel, que foi o pioneiro no desenvolvimento de peças automobilísticas aqui em Merachi.

Já a minha mãe é advogada, modéstia parte, é a melhor no que faz. Ironicamente ela e meu pai se conheceram e se apaixonaram em um dos casos, onde ela defendia os interesses de um dos seus principais concorrentes contra ele próprio. Essa foi a única vez em que Miranda Gowel perdeu uma causa.

Mesmo eu tendo tudo o que uma garota poderia desejar, eu não tinha aquilo que mais necessitava, liberdade. Desde que nasci, meus pais vinham me preparando para um dia tomar conta dos negócios da família, mas, a verdade é que, eu não nasci para ficar lendo relatórios e muito menos me estressando em conferências.

— Que horas são? — perguntei tentando abrir os olhos.

— Meio dia.

— Diga que não estou. Preciso dormir mais.

— Vamos Mad, você precisa ir falar com ele. — Noah me puxava pra fora da cama enquanto tentava me convencer a levantar com aquele som agudo que soava de sua garganta.

— Eu já te disse hoje o quanto você me irrita? — falei zangada por ter que sair da cama contra minha vontade.

— Eu sei que você me ama, e que ainda vai me agradecer por isso, como sempre faz, é claro. — disse ela, convicta de suas palavras.

— Eu não teria tanta certeza. — A fuzilei com os olhos enquanto me levantava de sua cama.

Noah desceu a frente, já que a pedi para que esperasse ao menos eu me arrumar. Coloquei novamente a roupa que usava na noite anterior e fui até a janela de seu quarto. Eu não pretendia voltar para casa, e sabia que se contasse isso para Noah ela tentaria me convencer do contrário, então decidi agir por conta própria.

Usávamos sempre aquela janela para escapar durante a noite e ir curtir algumas das baladas de Merachi. Eu disse que não tinha liberdade, mas não disse que me submetia a "prisão domiciliar" da qual meus pais me imponham.

— Droga! — Gritei ao pular da janela. — Não acredito que quebrei meu salto!

— E eu não acredito que você estava tentando fugir usando salto alto! — Ouvi uma voz familiar.

De seu voto!

Amiss - Quase Da RealezaOnde histórias criam vida. Descubra agora