4. Gato Falante

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    A futura Rainha de Fluorana está controlando-se para não chorar. Vou para meu quarto, onde é mais seguro deixar o sentimento tomar conta. Eu não posso guardar isto para sempre, ignorar que meu pais morreram e deixaram um peso enorme sobre mim. Eu já não tenho tanta certeza de que quero ser Rainha, pois isso significa tomar meu reino das garras de Jarbas e eu estou com medo de não conseguir.
    Mas de modo algum eu tenho permissão para pensar nisso. O povo precisa de mim. Meu irmão precisa.
    Aproximo-me da varanda escura e fico um bom tempo encarando o brilho e a diversidade das cores da galáxia na água do mar, enquanto a dor em meu peito intensifica-se a cada lembrança familiar.
    Eu sempre fui mais apegada à minha mãe. Ela gostava de me contar as histórias de Erisyr todas as noites como se quisesse certificar-se de que eu não esqueceria a origem do meu mundo e o meu propósito. Igual ao cristal dos Deuses, feito para criar e não destruir. Mas Coriander não era apenas delicadeza, algo assustador tomava conta dela quando o assunto era lutar. Tornava-se uma guerreira quando precisava ser. Possuía um perfeito manuseamento das chamas mágicas, e fez questão de ensinar-me, no entanto, nunca fui tão boa, infelizmente.
    Nunca fui boa em lutar corpo a corpo, com espadas, com magia, com nada, nem sequer lutar com as palavras. Eu sou um fracasso como herdeira, porém, Coriander nunca desistiu da minha força. Dizia que eu devo confiar nos Deuses, pois eles possuem um plano muito especial para mim. Agora confesso que estou com medo desse tal plano também.
    O meu pai era uma pessoa distante. Bem, sempre nos víamos porque ele obrigava-me a participar das reuniões do Conselho Real, dos casos jurídicos do reino e tudo o que o Rei tinha o dever de cumprir, só não tinha tempo para meus problemas emocionais. Já o peguei muitas vezes até tentando aproximar-se, como Coriander fazia naturalmente, embora ele tivesse muita dificuldade. Por fim, soube pela minha mãe que Sikar não sabia demonstrar tão bem o amor que sentia, por culpa dos meus avós, Itho e Tanira, que eram tão frios quanto as montanhas de Sodalita. Meu pai ao menos fez o possível para manter-me ao seu lado, informada sobre tudo o que acontecia em Fluorana, mas quem diria que o que precisávamos mesmo era de um vidente no trono, para prever a chegada de um Belshazar, que deveria estar à sete palmos do chão.
    Eu amo Sikar, e sei que amava-me do jeito dele. Ambos os pais são importantes para mim e para Hyrom, todavia agora somos apenas eu e ele segurando a corda que mantém Fluorana de pé. Ainda temos nossos primos estranhos e nossas duas tias, mas duvido que estejam passando bem depois do que aconteceu com Coriander, a cunhada delas.
    Pego meu espelho, sento-me no chão da varanda de costas para o mar e observo a luz das luas e das estrelas atingindo a superfície do vidro e refletindo em meu rosto. Procuro por minha mãe como ela havia dito, mas não a encontro em mim. Talvez pelo medo que eu estou sentindo? Pela minha dúvida de assumir o trono ou não? Mamãe saberia exatamente o que fazer.
    Infelizmente, você não é Coriander...
    Talvez eu nunca chegasse a ser como ela. Talvez eu nunca mais a encontrasse dentro de mim. Eu não quero que a morte dela seja um gatilho para minha insegurança. Eu preciso tornar-me forte emocionalmente e fisicamente para tomar o que é meu por direito. Se assim eu o fizer, ao menos darei orgulho a ela.
    Abaixo o espelho e limpo com o pulso as lágrimas na minha bochecha. Encosto os joelhos um no outro e permaneço encolhida. Deixo minha cabeça descansar sobre os braços esperando a onda de soluços passar.
    — O que pretende fazer à partir de agora, majestade? — pergunta uma voz atrás de mim logo depois, fazendo-me pular de susto e afastar-me da sacada.
    O gato preto dos olhos estranhos está lambendo sua pata e para para ver minha cara de espanto. Seus olhos azul e amarelo estão mais brilhantes que nunca. Eu poderia até dizer que parecem humanos. "Ele falou comigo" fico repetindo na minha cabeça enquanto nos encaramos.
    — Gatinho? — pergunto incrédula.
    — Meu nome é Lamar, sem querer ofender o apelido carinhoso que a senhorita me deu, majestade. Eu gosto dele.
    Então o que Frigga disse é verdade. Mas é claro, por que ela brincaria com uma coisas dessas? É traumatizante. Em pensar que troquei de roupa em frente a esse gato...
    — Como veio parar aqui? — aproximo-me dele evitando piscar muito para ter certeza de que é real.
    — Foi meio complicado subir, quase caí algumas vezes e... — responde olhando para o lado de fora da varanda e depois volta a encarar-me, entendendo a pergunta — Ah, a senhorita referiu-se à minha presença em Asgard? Pois bem, foi eu quem a trouxe aqui, de nada. Sinto muito pelo ferimento, não pude desvia-la à tempo da flecha, mas pelo menos está viva e isso é o mais importante.
    — Então foi você que empurrou-me para o abismo?! — pergunto sendo tomada por uma onda raiva — Te ocorreu que se Haimdall não abrisse a bifrost eu poderia ter morrido com a queda?
    — Minha querida, você teria morrido de qualquer forma. Seu tio Jarbas não deixaria uma herdeira de Sikar viva para competir pelo trono. Então, mais uma vez, de nada — debocha Lamar pulando para dentro do quarto e indo para a cama deitar-se.
    Que gato folgado!
    — E Hyrom? Ele está... ? — sinto um nó na garganta só de pensar na possibilidade.
    — Não se preocupe com isso, tenho certeza de que seu irmão vai ser usado como isca.
    Ótimo. Não devo me preocupar com meu irmão sendo usado para atrair-me.
    — Vai dar tudo certo, assim que chegarmos ao Berço de Erisyr você vai saber o que fazer — Lamar rola de um lado para o outro no lençol e espreguiça-se.
    — Do que está falando? Eu não vou ao Berço, está louco?! Voltarei para Fluorana, pegarei meu irmão e recuperarei o trono — recito meu plano mental como uma máquina de repetição levantando-me do chão e limpando a saia do meu vestido — Eu sei bem o que fazer!
    — Epa, epa, vamos com calma. Primeiro: não sei se percebeu mas seu tio é muito mais poderoso que você e seu irmão juntos. Segundo: nem sabemos como vamos fazer para recuperar Fluorana das garras daquele animal — Lamar arranha o lençol para intensificar sua frase — Terceiro: eu sou um gato e você, uma mocinha que nunca lutou de verdade contra alguém, a não ser sua escova de cabelo. Vamos morrer se seguirmos sua impulsividade.
    Obrigada pela honestidade, querido Gatinho.
    Meu medo de não conseguir orgulhar minha mãe com uma vitória agarra-se ao meu pescoço. Sento-me ao lado de Lamar na cama. Estamos em silêncio pensando e ele sugere:
    — Podia pedir para um dos príncipes asgardianos nos acompanhar, ou os dois, seri...
    — Nem fudendo! — o interrompo, lembrando da maneira como Loki tratou-me no jantar. Talvez Thor até concordasse com a idéia de ajudar, mas sinceramente, eu sentiria-me fraca, como havia dito aquele outro Deus — Nem mesmo se o Sol apagasse. Não quero envolver os asgardianos nos problemas fluoraneos, já basta eu estar aqui graças a você.
    Lamar mia a palavra "Ingrata" e acomoda-se no limite da cama e a parede do quarto.
    Antes de dormir, penso na sugestão dele. Por mais que eu precisasse, não pediria ajuda. Seria humilhante. Eu estou preocupada em ter que voltar sozinha, porém, eu preciso voltar, mas o que eu farei assim que chegar lá? Pedirei por favor para que Jarbas levante o traseiro do trono que deve ser meu? Não sou uma suicida. Eu preciso de um exército para invadir, mas onde o conseguirei? Asgardianos? Não, obrigada. Não quero dívidas. Aquele exército que nos perseguiu até o penhasco é sodalitan. Hyrom mostrou-me o símbolo do reino frio em uma das encomendas que fez com Zannyr.
    Já era de se esperar a rivalidade dessa gente, mas... essa briga não vinha à tona há anos desde a Quarta Guerra, quando os dois reinos inimigos assinaram um tratado, pondo fim aos conflitos, considerando a queda das famílias reais dos reinos de Turmahlia, Lunarita e Aderbahria na mesma época. E por quê Jarbas, um membro da Casa Belshazar, nascido do fogo, estava liderando o exército do Norte? Que tipo de pacto é esse que ele tem com o Rei de Sodalita?
    Clamo aos céus por um sinal sobre o que eu devo fazer a partir dalí e na mesma noite eles o concedem. Sonho com uma árvore linda, muito parecida com as vanhanas que existem espalhadas na floresta de Fluorana, mas suas folhas são de ouro puro e brilham por causa da luz solar que as atinge. Ao seu redor há um lago de águas negras, que mesmo na manhã parece refletir a lua e as estrelas.
    As folhas douradas da árvore soltam-se e rodeiam o tronco fino, dando origem a um ser com olhos, garras e chifres de servo dourados, sua pele era de um vermelho forte e escuro, como sangue e terra misturados, em seus braços correm raízes com pequenos brotos de flores amarelas e rosadas. Algo dentro de mim diz conhecê-lo, todavia, por mais que pareça um Deus, aquele não é o meu Deus...
    Ele aproxima-se de mim, provocando arrepios por todo meu corpo por causa de sua presença poderosa e toca minha cabeça. Meus olhos fecham-se e algumas imagens surgem em minha mente, reproduzidas numa velocidade tão rápida que não posso sequer entendê-las. Acordo com a respiração alterada e uma dor de cabeça mortal. Levanto-me segurando a testa, totalmente desorientada e com a visão turva. Derrubo sem intenção alguns utensílios que estão em cima da penteadeira perto da cama ao tentar me locomover. Como mágica, a dor desaparece e a tontura também. Olho minha imagem no espelho da penteadeira e noto uma mancha na minha testa em formato de mão desaparecer aos poucos. Minhas pálpebras estão avermelhadas e com veias totalmente visíveis.
    Que loucura é essa?

Astarte e o Cristal da Criação | fanfic loki (PAUSADA) #RaposaDeOuroOnde histórias criam vida. Descubra agora