Capítulo 8: Reflexões de um pequenino

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O momento idílico de Sérgio pareceu se estender, o ar batendo contra seu corpo ainda trêmulo enquanto, sentado na palma da mão da namorada, sentia-se voando num tapete mágico...

Quando, já no corredor que levava ao quarto, Eduarda subitamente mudou o caminho, girando à direita – a inércia fazendo o corpo do nerd encolhido tombar, por pouco não rolando para o chão – e adentrando outro cômodo. Mesmo com a noção espacial de Sérgio toda bagunçada, os azulejos azuis não deixaram enganar: estavam no banheiro. Um dos recintos mais apertados do apartamento; porém, diante da nova condição do rapaz, estendia-se agora a uma altura e largura inimagináveis, só agravando seus pensamentos quanto a quão pequeno realmente estava.

Sem mais nem menos, voltou a perder o equilíbrio; notando tarde demais que, sem qualquer aviso, a mão de Eduarda se inclinava. Tentou arrastar-se pelas rugas da palma, agarrar o dedão – mas foi inútil. Deslizou gritando, incapaz de visualizar para onde despencava... somente para aterrissar desajeitado numa superfície fria como uma calota polar, e sim, estava descalço por há pouco ter perdido suas Havaianas. Era o mármore da pia do banheiro, roubando calor de seu corpo onde quer que pisasse – e não havia para onde correr.

– Ai, ui, ai, ui! – Sérgio saltitava como se caminhasse em brasas, arrancando um riso sarcástico da namorada gigante, que o vigiava apenas pelo canto dos olhos enquanto tirava sua camiseta de estampa florida.

Deliciando-se por cada segundo em que o humilhava, Eduarda depositou a veste no cesto de roupas sujas e, usando agora apenas um sutiã preto acima da cintura, murmurou:

Como você é patético...

Desesperado por uma superfície que não fosse gelada como o resto da pia, Sérgio avistou a borda de madeira unindo-a à parede. Todavia, no andar trôpego até o refúgio, acabou topando com uma embalagem de shampoo ali deixada, o objeto de plástico tendo o dobro de seu tamanho e, ao cair sobre si, obrigando-o a dar uma cambalhota para o lado caso não quisesse ser prensado contra o solo frio. A risada de Eduarda aumentou. Ela agora se despia da saia.

Melhor se acostumar com o gelo, Homem-Formiga!

A imensa sombra da namorada, projetada sobre Sérgio, fez com que ele se abaixasse protegendo-se com as mãos. Um dos braços de Eduarda cobriu a distância até a borda da pia, apanhando uma pequena caixinha de plástico azul que nela havia. A saboneteira. Removeu dela o sabonete e, deixando de propósito alguns minúsculos fragmentos que haviam se desprendido e grudado pelo recipiente, abriu a válvula à direita da torneira...

Aquela correspondente à água fria.

Liberando apenas um fio de líquido, colocou a saboneteira logo abaixo e encheu-a com cuidado até a borda. Depois a ergueu, agitou-a – como se removendo algum excesso de água – e depositou-a displicente junto de Sérgio, por pouco não o nocauteando no esbarrar de sua mão.

– Nunca que você ficará no meio das minhas actions todo cagado, correndo o risco de sujá-las... – Eduarda afirmou com seu vozeirão, descalçando os All-Stars, que usava sem meias. Entre aí na sua nova banheira e tome um banho, enquanto tomo o meu!

Sérgio, com os pés juntos e abraçando o próprio corpo devido ao frio da pia, hesitou, trocando olhares entre a saboneteira e a namorada, curvada sobre ele com um olhar repleto de resoluta crueldade.

– Duda, não pode pelo menos colocar água quente aí? – ele apontou à caixinha de plástico sem esconder estar indignado.

Por toda sua vida, Sérgio questionara como seria viver certas situações, de ficar sem ar no meio do oceano a acabar atropelado por um carro – esses mistérios só descobertos por aqueles que encaram a morte. O segundo exemplo, assim que terminou de falar, pareceu finalmente revelar-se a si quando sentiu a grande massa colidir contra sua pessoa, empurrando-o para trás com os ossos estalando e os membros pulsando em dor, até sua penúria ser completada ao pousar de costas sobre a pia gelada. Erguendo a cabeça com dificuldade – o corpo, levaria mais algum tempo – o nerd constatou, sem ar, que Eduarda lhe dera um tabefe, as falanges dos dedos lançando-o longe como o chassi de um automóvel. O peito ardia, as costelas lhe repuxavam – teria quebrado alguma coisa? E, conforme se sentava sem forças e sem jeito, constatou o mais horripilante: a namorada não devia ter usado nem um quinto de sua força, ou já estaria morto àquele momento.

Meu Amor na EstanteOnde histórias criam vida. Descubra agora