Ja li muitos livros durante a minha adolescência, alguns me faziam passar noites inteiras acordado pensando o quanto seu conteúdo era estraordinário. Outros causavam uma terrível crise existencial em que a minha vida e os meus valores estavam no ponto mais baixo da descência, no solado do coturno do universo. É difícil para um garoto como eu ler historias sobre pessoas de sangue azul que tiveram tudo na vida sem ter que lutar; até mesmo as suas decepções pareciam ser mais favoráveis do que 1000 coisas que eu tenho que aturar todos os dias para ter a mais ínfima felicidade. Me chamo Adrian, não sou o tipo de pessoa que é agradavél ou muitos menos acessível, talvez isso se dê pelo fato de pertencer a uma familia totalmente desestruturada e pobre. Meu pai foi morto quando eu tinha somente 10 anos de idade, eu o vi sendo brutalmente assassinado por seu irmao. São cenas que até hoje me atormentam e me fazem ter pesadelos horriveis durante a noite em que vejo aquele golpe de faca atingir a sua garganta durante varias vezes. Desde que isso ocorreu minha mãe parece não pertencer mais a este mudo, é como se o seu corpo estivesse presente mas seus pensamentos estivessem presos em alguma dimensão escura, fria e triste. O estado em que ela se encontra só piora a minha situaçao,vivemos do pouco dinheiro que o governo nos concede como pensão, eu , minha mãe e meus três irmãos, William, Lui e Marcus. Sou o mais velho dos quatro, não suporto ver os meus irmãos chorando por falta de algo para comer ou quando a companhia elétrica corta o nossa energia. Tenho uma rotina que aos olhos de alguns seria impossível de ser realizada, mas com a minha mãe mergulhada na tristeza e os meus irmãos tendo suas necessidades tenho de fazer o possível e o impossível para ter algum dinheiro além da pensão que recebemos. Estou cursando o terceiro ano do ensino médio em uma escola que fica a cerca de 10 quilometros de minha casa, antes de fazer todo esse caminho tenho que deixar os meus irmãos na escola para crianças que fica no lado oposto à minha, os levo conectados por uma corda que improvisei para que ficassem ligados a mim e ainda assim eu pudesse segurar a minha bicicleta, que seria o meu transporte para a aula após deixa-los em segurança sobre os cuidados da inspetora até que as aulas iniciassem. No começo minha mãe me ajudava em casa, levava as crianças no horario certo e não sessenta minutos antes de começar a aula assim como eu faço, mas um dia ela simplesmente parou de vez e tive de arcar com mais uma responsabilidade. Felizmente a inspetora conhece a minha familia e sabe de todos os problemas que enfrentamos diariamente, ela não se importa em vigiar as crianças até que a aula comece e não cobra nada por isso. A muito tempo não sei o que é ser um adolescente normal, além de leva-los na escola ainda tenho que acordar e aprontar os meus irmãos, é inegável que passamos por uma época deplorável, mas nunca deixei os meus pequenos sairem desarrumados ou sujos. Eles não tem culpa de nada do que aconteceu ou da morbidez de minha mãe, têm de estar sempre apresentáveis e normais, não quero que eles tenham de perder sua vida para arcar com os problemas assim como eu faço todos os dias. A diretora da minha escola sempre pergunta porque chego todos os dias suado e ofegante, como se acabasse de fugir de um guepardo, mas eu nunca digo a ela porque tive de deixar três crianças na escola do outro lado da cidase e pedalar feito um louco para chegar no horario, eu simplesmente a iludo dizendo que sempre acordo em cima da hora. Lutei muito para conseguir uma bolsa nessa escola, tive de trabalhar em calderarias e olarias até conseguir dinheiro para a inscriçao na prova e o aluguel de livros para estudar. Sacrificava as poucas vezes em que eu me alimentava por dia para estudar e ler alguns livros que pudessem me entreter e me fazer viajar para um mundo onde eu tinha uma vida feliz. Após passar na prova usei algumas economias para comprar um bolo e comemorar com a minha familia essa conquista, que apesar de grande só comoveu a mim mesmo, meus irmaos não entendiam o quanto isso poderia ser bom no futuro e minha mãe apenas não via mais sentido em ficar alegre nem que seja pelos seus filhos e suas conquistas, desde que o meu pai morreu aquele foi o dia em que eu estive mais feliz. Arranjei um trabalho como balconista em uma lanchonete próxima à minha escola, isso só foi possível porque uma garota do meu bairro gentilmente se ofereceu para buscar os meus irmãos na escola e cuidar deles até que eu pudesse sair do trabalho e levá-los para casa. Na escola não sou muito de conversar com as pessoas, o unico amigo que tenho é Luke, filho de um pai que fez fortuna administrando e gerenciando renomados escritórios de advocacia. Tive todos os motivos para ignorá-lo na primeira vez que veio falar comigo, eu havia caído da bicicleta em movimento aquele dia, estava com o joelho sangrando e face ralada, mas diferente de muitas pessoas que estudavam no colégio ele não era arrogante e até mesmo podia ser considerado um garoto culto, com conversas construtivas ,até mesmo interessantes. Suas primeiras palavras foram dirigidas a mim quando eu estava no banheiro limpando o sangue de meu joelho e rosto,lamentando o rasgo enorme em uma das minhas poucas calças.
-Parece que o seu dia ja começou bem ruim
-Bom ele não está com certeza, me deixe em paz , ja estou suficientemente estressado para ter que ficar dando ouvidos a deboches
Luke me olhou de um jeito estranho, como se não tivesse se importado com o meu pedido e foi se aproximando de mim conforme eu matinha o olhar fixo nele esperando que saísse do banheiro. Já me sentia deslocado no meio daquelas pessoas, ainda mais quando estava com a calça rasgada e ferido. Apesar disso, com uma voz branda e carregada de empatia ele insistiu em tentar falar comigo.
-Não estou aqui para debochar, eu o vi entrando no banheiro e pensei que talvez precisasse de ajuda.
Nesse momento Luke tirou a mochila de suas costas e a abriu, tirando uma sacola com o logotipo de uma loja de roupas que eu sempre via no trajeto até a escola.
-Tome , fique com essa calça, suponho que não gostaria de andar no meio daqueles metidos com um machucado desse exposto
-Não posso aceitar, pelo que vi ninguém a usou ainda, vou sujá-la de sangue
Luke entrou em um dos sanitários e voltou com um rolo de papel higiênico estendido a mim
-É só limpar, a calça foi comprada sem necessidade por minha mae, quero que você fique com ela
Eu olhava incrédulo para aquele garoto, não acreditava que alguém poderia ser dotado de tal empatia e gentileza a ponto de oferecer uma roupa que nem usou para um atrapalhado que se arrebentou por aí. Aceitei com muita gratidão a sua oferta e após linpar os machucados e vestir a calça Luke ainda me disse que eu ficara muito bem vestido daquele jeito. A partir desse dia desenvolvemos uma amizade muito grande, em que conversávamos de diferentes assuntos interessantes e engraçados. Além dos livros eu contava com a amizade de Luke para aliviar os meus dias , aliviar toda a minha luta para sobreviver e manter outros vivos. Essa é minha vida, jamais desistirei de um dia poder desfrutar de meus esforços.