Parte I

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Recebi uma mensagem da minha amiga do trabalho, "fico muito feliz em te ver tão bem". Temos duas verdades: a primeira é que ela não é minha amiga de verdade e a segunda é que acho que não estou nos meus melhores dias.

O fato é que eu sou muito boa em camuflar o que penso ou o que sinto. Não é assim o tempo todo, mas eventualmente, ao menos que eu fale a maioria das pessoas não percebe. E assim recomeça um ciclo que me acompanha desde que percebi que sou diferente das pessoas "comuns", e esconder é uma etapa. Eu fico guardando coisas, palavras, momentos, só acumulando e esperando que a situação passe para que eu possa ignorá-la e seguir a vida. E sinceramente? Nunca liguei muito em esconder coisas.

Acabo ignorando a mensagem e fico pensando sobre o fato de eu sentir que algo está diferente dentro de mim, mas resolvo ignorar essa sensação também. "Tá tudo bem" digo (e minto) para mim mesma, enquanto checo se tem alguma nova mensagem do meu namorado e não tem.

Me ajeito na cadeira em que estou sentada na recepção do prédio onde ele trabalha. O prédio é do tipo que tem várias empresas sabe? A recepção  muito movimentada, transitando gente para todo lado, o tempo todo, mas nada de Lucas aparecer. Mesmo com tantas pessoas andando de um lado pro outro, tenho certeza que conseguiria identificá-lo de longe, posso apostar que está vestido com calça jeans clara, tênis branco, camiseta e jaqueta para se proteger do frio que está fazendo hoje. Ele trabalha como designer de uma empresa de jogos online.

Enxugo o suor que começa a brotar no meu rosto, me ajeito de novo na cadeira, e por fim resolvo ficar em pé. Vim fazer uma surpresa, mas parece que cheguei cedo demais ou fiz os cálculos errados. Guardei na bolsa o livro que carregava, porque na minha cabeça eu só pedia a Deus ou ao universo que me mostrasse os sinais ou que me mostrasse a verdade sobre o Lucas.

Será que ele está mesmo escondendo algo de mim? Será que tinha alguma mulher com ele agora e por isso ele estava demorando a aparecer? Enxugo o suor do rosto de novo e acabo sujando minha jaqueta jeans com a maquiagem que passei, e na minha cabeça o pedido agora é que Deus não tivesse nada que pudesse me mostrar, apenas que o meu relacionamento estivesse seguro.

Eu sei que meu suor não significa ansiedade, é mais ou menos um suor que exala ódio, pela certeza de estar sendo enganada. Queria de verdade que nada tivesse acontecendo, e que eu tivesse feito a escolha certa desta vez, de ter escolhido uma pessoa que me valorizasse, respeitasse e amasse somente a mim

Mas não, parece que fui vítima da minha própria sorte. De novo.

Havia passado só cinco minutos desde a última vez que eu conferi que horas eram, e na minha cabeça o ritmo frenético continuava como sempre, pensando nas possibilidades daquele dia ser o dia que iria terminar meu relacionamento porque descobri uma traição. Ou o dia que eu ia causar mais uma briga por causa da minha insegurança e mania de controle. 

Ou nenhuma das duas, pois eu só estou aqui porque estou uma hora adiantada para ir para o trabalho e resolvi passar aqui. É isso.

Eu já tinha sido traída duas vezes na minha vida e foram situações que me marcaram de uma forma bem difícil e dolorosa, mas também libertadora. A primeira vez foi por uma pessoa que dizia ser minha melhor amiga, éramos amigas de infância e tínhamos oito anos quando tudo aconteceu. Uma menina novata entrou em nossa turma e na primeira oportunidade, minha (até então) melhor amiga, me substituiu como se troca um trapo velho por uma roupa nova. Foi assim que me senti, substituível, "trocável". A segunda vez foi por um namorado que tive na adolescência e essa foi ainda mais traumática, porque tinha deixado de lado meu grupinho de amigas para ficar a maior parte do meu tempo com ele, que no fim me traiu com uma garota qualquer do nosso colégio.

Quando eu descobri, perdi a cabeça e gritei até ouvir que eu não era boa o suficiente e por isso havia sido trocada. De novo. Substituível e sozinha, já que não tinha mais ninguém. Se sentir uma moeda de troca, acredito ser um dos piores sentimentos que existem, não importa o que você faça nunca será o suficiente para se tornar única e no fundo você sabe que precisa sempre provar seu valor a qualquer custo. Talvez tenha sido nesse momento da adolescência, que eu tenha entendido muitas coisas, que eu tenha aprendido a reconhecer os sinais e foi nesse ponto que me tornei livre e dona da minha própria sorte. E bom, eu não perderia meu próprio jogo.

Mais uma olhada na hora e finalmente o vejo. Está sozinho. Consigo respirar, mas não consigo tirar a nuvem de desconfiança que estava em cima da minha cabeça desde que tomei a decisão de vir. Eu sei que está me escondendo algo.

Como ele não me vê de imediato eu sigo na direção dele, e nesse momento repasso o motivo de eu estar ali. Adiantada para o trabalho. Surpresa.

- Oi! – Aceno e ele me olha espantado, e nos olhos castanhos eu já consigo decifrar as perguntas que virão.

- Oi Bia, o que você está fazendo aqui? – BINGO!

- Estou adiantada para o trabalho e resolvi passar aqui para ver se te encontrava. – Pronto. Simples e claro. Até eu acreditei.

Na minha cabeça agora tinha alguém ou alguma parte de mim que comemorava, eu tinha conseguido o que eu queria. Marcar meu território, e constatar se tinha alguma mulher com Lucas, ou o cercando  de alguma forma. A razão disso são  os pensamentos que invadem minha mente a todo o tempo, de que ele pode encontrar alguma mulher melhor que eu. Porém isso não importa agora, fiquei satisfeita por tê-lo encontrado sozinho. Pelo olhar desconfiado e o sorriso desconfortável que ele me deu, eu pude deduzir que ele duvidava da verdade das minhas palavras. Ele estava certo, porém nenhum de nós ia dizer nada. É assim que funciona. Ao contrário disso ele simplesmente disse:

- Quer uma carona para o trabalho?

- Se não for incomodar, quero sim! – Respondi sendo o mais sincera possível.

Xx

Durante os vinte minutos do trajeto, nós fomos conversando sobre coisas corriqueiras: o trânsito, uma música aleatória tocando no rádio. O clima estava ótimo, mas na minha cabeça aquela voz ainda me perturbava. Assim que chegamos em frente ao prédio da editora que eu trabalho dei um beijo nele e já juntando minhas coisas para sair do carro. Já estava pensando sobre o que eu havia acabado de fazer, não estava arrependida obviamente, mas havia sido necessário gastar essa energia? Foi então que ouvi Lucas me chamar e olhei para trás.

- Ei Bia, não precisa fingir que estava me fazendo uma surpresa ok? Da próxima vez que quiser me ver, basta ligar.

Apenas sorri fazendo cara de desentendida e fiz o melhor que pude para não demonstrar a raiva que inundou meu corpo inteiro enquanto observava ele dar partida no carro e ir embora.

O Lucas tem aquele estilo sociável com todos e um senso humanitário irritante, não importa o que, quem ou qual circunstância que ele sempre vai tentar ajudar a pessoa que precisa dele. E se antes me perguntava o porquê de ter desconfiado, já que ele é o tipo de pessoa que não dá nenhum motivo para que se desconfie de sua honestidade, nesse momento eu percebi que ele não era tão dominável como eu acreditava, e isso acendeu em mim uma fúria quase que incontrolável.

Isso precisava mudar, eu estava no comando, não ele. É esse o ponto, eu não preciso de motivo para ter desconfianças. Só estou cuidando do que é meu,entende? Não importa o que eu precise fazer para que eu proteja e mantenha o que pertence a mim. Não tem uma frase que diz que os fins justificam os meios? É isso

Roleta RussaOnde histórias criam vida. Descubra agora