62 - Réquiem para o amor - ato I (✓)

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‎"Nós somos apenas humanos e os deuses nos moldaram para o amor. Esta é a nossa grande glória e a nossa grande tragédia."

Meistre Aemon

***

Jon permaneceu bastante tempo em sua vigília solitária, mesmo depois que Sam havia ido descansar. Olhava para além do muro do castelo, sentindo que os mortos logo chegariam à Winterfell. Depois que Daenerys encontrou Drogon e os salvou na última emboscada, eles ainda haviam conseguido deter os avanços mais três vezes em dois outros vilarejos ao leste. Os soldados estavam exaustos e Dany parecia no limite das forças, ainda que não admitisse.

— Temo por você e pela criança. — Jon havia lhe dito há alguns dias, mesmo sabendo que Dany não o ouviria — A morte nos ronda por todos os lados lá fora.

— Eu sou um dragão e nosso filho também será. — Ela havia lhe respondido, com um olhar implacável — Nascerá mais forte do que qualquer outro Targaryen, pois sua mãe haverá lutado na maior das guerras com ele no ventre.

Jon colocou a mão no muro do castelo e sentiu o frio balançar seus cabelos escuros, assoviando uma triste melodia em seus ouvidos. Nunca havia se sentido tão vulnerável. Os Outros sempre foram uma ameaça ao povo de Westeros, mas nunca uma ameaça pessoal. Nunca havia sentido um real medo de perder algo, pois antes não havia nada que os Outros pudessem arrancar dele. 

— Você é um suicida. — Costumava ouvir alguns irmãos da Patrulha lhe dizer coisas assim. Jon não tinha medo de morrer e por isso se entregava totalmente em suas batalhas. 

Desde que Melisandre o trouxe de volta, Jon sentiu que viveria apenas tempo o suficiente para cumprir sua missão na Grande Guerra e então voltaria ao mundo dos mortos. Era tudo o que ele mais desejava, mas isso antes de conhecer Daenerys, isso antes de saber que teria um filho.

Ser um bastardo o incomodava tanto que passou toda a vida rejeitando a ideia de construir uma família. Odiava pensar que seria um homem medíocre que traria crianças bastardas ao mundo. Quando foi para a muralha, o que ele fez foi colocar uma pedra decisiva em seu caminho, foi se algemar a um dever maior, se impedindo de ceder a qualquer impulso inconsequente com alguma pobre garota que cruzasse seu caminho. Ele pensou que assim havia matado qualquer resquício de esperança que havia em sua mente, mostrando a si mesmo que não era para desejar nada, para sonhar nada.

Apenas agora Jon começava a entender que nem mesmo naquela época havia deixado de desejar desesperadamente um posto honrado na vida, além de um lar, uma família e, no final das contas, descanso. Assim que Daenerys surgiu, ele foi se entrelaçando nela, se aquecendo com o calor dela, desacelerando nos braços dela, espantando as sombras de sua personalidade com a luz dela.

— Seja minha mulher e não apenas minha Rainha. — Não havia apenas luxúria naquele pedido, havia desesperados sonhos secretos, dolorosas utopias sobre dias alegres e sorrisos cheios de vida, coisas que agora ele percebia como ingênuas demais. Aquele amor era como uma flor nascendo em uma fenda na muralha de gelo. Estava crescendo em seu coração como um capricho dos deuses, apenas um traço fino de beleza no mais cruel e inoportuno momento.

Jon havia criado um amor que não duraria naquele mundo, havia regrado as pétalas de uma flor azul que se dissolveria nas trevas. Daenerys e ele estavam caminhando para a morte. Ter se distraído disso fazia com que sentisse a mais pura dor. Mesmo que Sam houvesse lhe apontado motivos para acreditar que o encontro com Dany era algo planejado pelos deuses, Jon podia sentir as garras desses mesmos deuses em seu peito, arranhando seu coração por dentro, prontas para arrancar cada sonho, cada pequeno desejo que Jon teve a ousadia de criar.

— Ela também tem sua missão. — Temia Jon — E o que acontecerá com ela quando a cumprir?

O povo do Norte havia sido hostil, mas Dany não se importara. Havia dito a ele que sempre fora assim, que nunca lhe amavam à primeira vista. Se queria um lugar no mundo e espaço no coração das pessoas, precisava conquistar.

Aconteceu de um jeito muito suave. Quando Jon e os demais homens saíam para patrulhar os vilarejos, Dany montava em Drogon e sobrevoava os casebres, vigilante dos perigos, sinalizando e incendiando os corpos que os soldados empilhavam depois das batalhas. Drogon dançava pelos ares, lançando suas chamas, iluminando a noite escura. Isso logo se tornou uma mensagem para a população, um sinal de que podiam sair para pegar madeira para acender as lareiras ou caçar algum animal para se alimentar. Significava que estavam seguros naquela hora, protegidos pelo dragão e sua luz.

Homens, mulheres e crianças começaram então a esperar a passagem de Daenerys, sorrindo ao ver Drogon bater as majestosas asas negras e sentindo seus corações se aliviarem com seus rugidos. Alguns começaram a se referir a esses momentos como "A passagem da Luz" e outros ainda como "A passagem da Rainha da Luz".

— Minha luz. — Jon havia começado a sussurrar assim nos ouvidos dela quando Dany se enroscava em seu peito para dormir. Era isso que ela era, sua luz acesa na escuridão tenebrosa da Longa Noite, sua fonte de calor no frio que o consumiu a vida inteira — Você é mesmo uma conquistadora, Dany...

Lembrou-se de quando ela ergueu os cílios pesados e fios prateados caíram sobre seus olhos de ametista.

— Antes de conquistar, nós temos que sonhar, Jon.

***

Nota 1: Quem não conhece, o vídeo que adicionei é a trilha sonora de Jon e Dany na série: "Truth" de Ramin Djawadi, na versão que mais gosto de ouvir. Minha alma se contorce todinha com ela. Eu escrevi ouvindo e recomendo a experiência de ler ouvindo também.

Nota 2: Esse capítulo e o próximo serão diferentes, serão um "réquiem para o amor" divididos em ato I e II. Quem sabe o significado da palavra, sabe do peso desse título, mas ele não entrega o final. Porém, serão os dois únicos capítulos que dedicarei apenas aos pensamentos e sentimentos que Jon e Dany estão tendo agora que se encontram cheios de esperanças e sonhos e ao mesmo tempo à beira da morte. 

Fiz com bastante carinho, coloquei referências diversas e esse importante paralelo entre os dois: A Dany sempre ligada a luz e vida, enquanto Jon sempre ligado a escuridão e morte. Até por isso troquei o "minha rainha" que o Jon usava na série por "minha luz", pois pra mim o foco dessa história, diferente do que a série mostrou, nunca foi o Trono de Ferro, mas a Grande Guerra. Acho esse simbolismo todo de luz e escuridão, vida e morte, etc, uma coisa maravilhosa criada pelo Martin, muito linda de se trabalhar na escrita.

Vocês podem notar que na capa dessa fanfic eu não uso "O Jogo dos Tronos" como título, mas "A Canção de Gelo e Fogo". Então, não é atoa, tem um motivo pra isso, porque nunca foi minha intenção focar 100% no trono como a série fez (apesar de ele ainda ser a última coisa que vamos resolver). Alguns dizem que pelo nome da série ser Jogo dos Tronos, então o final dela deve girar em torno do trono. Então, gente, D&D só usaram esse nome porque "A canção de Gelo e Fogo" não é atraente para a TV. Tão ligados nisso, né? É questão de marketing, não da história. Eu realmente vou tentar "sentir" os livros para criar um final para a série aqui.

Final alternativo para GOT (concluída)Onde histórias criam vida. Descubra agora