Capítulo II

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— O que você acha que está fazendo!? — gritou meu pai ao puxar meu braço para que eu me levantasse. — Você pensa que não conhecemos todos seus truques?

Notei que Noah também estava lá, me olhando de forma furiosa. Diferente de seus pais, que também permaneciam ali, mas com olhares de pura preocupação.

— Vamos agora para casa! — prosseguiu o empoderado Michael Gowel.

— Você pode ir, eu continuo muito bem aqui — falei em descaso.

Meu pai me olhava enfurecido, enquanto Noah e seus pais voltavam para dentro ao perceberem o clima esquentando.

— Tudo bem então — Respondeu ele de forma serena.

— Oi? — disse incrédula. — Você não pode simplesmente dizer que está tudo bem.

— Não? Não foi você mesma que saiu no meio da noite querendo "ser livre"? — movimentou aspas com os dedos. — Siga em frente então, ou será que já mudou de ideia?

— Pai... não querendo ser grosseira nem nada, mas... você colocou vodca no seu café hoje? — Perguntei aproximando meu nariz de sua boca. —Deixa eu sentir seu bafo.

— O que? — disse me afastando — Claro que não!

— Olha pai, eu sei que sou de longe a pessoa mais adequada para dizer isso a alguém, mas se você está com problemas com entorpecentes, eu posso te ajudar! — falei de forma solidária. — Eu tenho notado mesmo que seus olhos andam meio diferentes... — concluí os analisando.

— Deixa de falar besteira menina, eu não uso drogas! — disse me repreendendo. — E o que você quis dizer sobre não ser a pessoa mais adequada?

— Nada não pai... — Desviei o assunto. — Mas já que o problema não é o álcool e nem as drogas, você só pode estar brincando com minha cara então, não é?

— Não estou. Eu te conheço, minha filha — disse dando um beijo em minha testa e indo em direção ao carro. — Sei que você não vai aguentar por muito tempo.

— Obrigada pelo apoio! — falei de forma irônica, um pouco mais alto para que ele escutasse.

Parece que agora eu teria muito tempo para me reconciliar com Noah, já que ficaria um bom tempo morando com ela, só para não dar aos meus pais o gostinho de voltar tão cedo para casa.

— Não tem de quê! — Gritou já de longe. — A propósito, já conversei com os pais da Noah para não deixarem você ficar na casa deles, Boa sorte! — Me lançou um beijinho no ar.

Era inacreditável como meu pai já tinha sempre tudo planejado. Se ele ou minha mãe pensavam que eu não daria conta de sobreviver sozinha nessa selva de pedras, estavam muito enganados.

Comecei a andar pela direção oposta a que meu pai seguiu com o carro e notei que realmente não tinha lugar algum para ir. Eu poderia tentar ficar na casa da Noah escondida outra vez, mas da forma que menti para ela mais cedo, achei melhor não arriscar que ela me expulsasse de lá, ou pior, que avisasse seus pais, e que consequentemente avisariam os meus pais. Essa seria a forma mais cruel do meu pai mostrar que estava certo outra vez — mas não está.

Pensei em pedir abrigo e comida para qualquer senhora de boa aparência que passasse por mim, mas minha dignidade não me permitiu isso, e provavelmente meu Louboutin a faria descrer totalmente das minhas reais necessidades, mesmo que um dos saltos estivesse agora nas minhas mãos. Finado sapatinho...

Continuei andando até um parque, onde parei para descansar e passei a observar a movimentação. Eu com certeza não conseguiria ir tão longe com aqueles sapatos, e isso era totalmente injusto já que, esse pequeno detalhe dava uma enorme vantagem aos meus pais.

Me atentei a uma agitação incomum na frente do Palácio Real, a poucos metros de distância de onde eu estava. Comecei a me lembrar das visitas anuais que fazíamos ao castelo, quando eu ainda estava na escola, aquele era sem dúvidas o melhor dia do ano para mim, só perdia para a Páscoa — já que no castelo não ganhávamos chocolate.

Resolvi ir ver o que era, levei um pouco mais de tempo do que o necessário, já que precisei mancar até lá, mas cheguei. Era sim mais uma das visitas anuais. Vi uma turma do fundamental entrar e os acompanhei, talvez sendo confundida como uma das instrutoras, não sei.

Continuei seguindo aquelas crianças por boa parte da visita, até que me recordei daquele corredor de quadros onde conheci Noah.

Virei um corredor; depois outro; devo ter entrado em alguns cômodos e enfim o encontrei. Ainda eram os mesmos quadros — pelo menos deveriam ser, passei a olha-los e admira-los como se fosse a primeira vez. Não sei quanto tempo fiquei os olhando, mas apenas me despertei dos meus devaneios quando ouvi uma voz.

— Você não deveria estar aqui — falou um garotinho de olhos claros já ao meu lado.

— Você não vai gritar, ou vai? — perguntei já me preparando para correr, caso fosse preciso.

— Por que eu faria isso? — questionou de forma confusa.

— Não é o que crianças fazem? — Dããã.

— Não — falou de forma óbvia.

— Bem... Obrigada então. — Sorri e voltei minha atenção para os quadros.

— Eu vou apenas chamar algum dos guardas — falou o garotinho se preparando para dar o maior berro de sua vida.

— Você disse que não iria gritar — falei tampando sua boca a tempo.

— Prefere que eu vá chama-los pessoalmente? Tudo bem, eu vou, mas não creio que você terá tanto tempo de correr...

— Olha, você não precisa chamar guarda nenhum, okay? Eu só estava olhando alguns quadros, nada demais. E a propósito, eu sei que você também não deveria estar aqui — falei vitoriosa, percebendo que com aquele argumento, tinha ganho a discussão.

— Moça, mas eu moro aqui.

Só então eu me dei conta de que aquele era realmente o pequeno Príncipe Charles.

— Certo — falei respirando fundo e me afastando aos poucos. — Eu vou sair nesse instante, o mais rápido que eu puder e você por favorzinho não conta a ninguém, okay?

— Tudo bem — respondeu com um sorriso meigo. — Mas eu vou contar até três. 1...

Não era mais tão meigo assim.

— 2...

Me apressei o máximo que eu pude, até chegar no final do grande corredor e me dar conta de que eu não sabia por onde tinha vindo.

— Você não sabe como sair, não é? — disse Charles se aproximando de mim.

— Não... — falei já lamentando o meu futuro nas masmorras.

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Amiss - Quase Da RealezaOnde histórias criam vida. Descubra agora