Cap. 1 - Elaya

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Era uma manhã chuvosa com nada além de respingos na janela do quarto e alguns pequenos pássaros cantando no galho seco de um salgueiro, o despertador soava ao lado da cama em cima do criado amarelo. Livros, desenhos e luzes espalhavam-se pelas paredes, assim como a angustiante vontade de ficar na cama crescia a cada minuto. Com os pés no chão comecei a pensar que o dia seria mais longo do que poderia, não posso esperar muito de uma terça-feira, é apenas mais um dia para tomar chá, ir a universidade dar aula e rascunhar alguma coisa em um papel amarelado. Liguei o chuveiro e água caiu com tanta fumaça que os vidros embaçaram. Abri a janela e o vento frio bateu ferozmente como quem corta a pele com uma lâmina afiada, a sensação de sentir duas coisas tão fortes e tão opostas brigando para me atingir trazia a prova mais plena de vida. Não era como estar sentada na varanda ouvindo as folhas baterem umas nas outras, contudo era bom sentir um pouco de vida em pequenos momentos como esse. No guarda-roupa tudo me era confortável, roupas largas e de um tecido fofinho. Não era um apartamento grande e não estava no bairro mais badalado de Liverpool, mas havia cozinha, sala, banheiro e quarto, já era o suficiente para passar os invernos se o aquecedor estivesse ligado.

Na pequena caixa de som mostarda, tocava os maiores sucessos que eu conhecia. Os pés envolvidos em meias deslizavam pelo chão de madeira e eu fazia chá com biscoitos. Em frente ao balcão da cozinha, havia uma grande mesa com vinho e uma tela ainda rascunhada, um esboço do que viria a ser o significado de vida. O barulho da chaleira estendia-se por todo o apartamento todo o vapor caindo no fogão, por um breve espaço de tempo, parei para pensar quando as coisas se tonaram tão práticas, pois até o chá vinha moído em um saquinho apenas para colocar na xícara, os livros agora tem um ligar para serem apoiados enquanto lidos, controles de TV, e celulares que buscam o que for necessário através da fala. A água quente ficou colorida e uma corrente de cristais brancos caiu da colher de prata. Em meio aos pensamentos de um novo desenho, batidas soaram na porta.

- Filha? Você está? - Pensei se deveria abrir a porta, sabia que só entrariam aborrecimentos em minha casa se deixasse que minha mãe entrasse. Falaria sobre o programa de ajuda no qual sempre comentava para pessoas que tiveram uma grande perda ou um trauma grande, de qualquer forma eram reuniões das quais não fazia questão de participar e muito menos de fingir que gostava. A passos mais lentos que já havia andando, sai de uma situação confortável e prazerosa para o corredor no qual havia uma grande bagunça vinda de uma cascatas de insinuações negativas, lutando para quebrar a barragem delicada que seguravam todo tipo de críticas. A porta rangeu e lá estava ela, a face coberta com uma grossa camada de base que não dizia a cor de sua pele, uma forte sombra nas pálpebras e o batom rosa mais reluzente que já havia visto, ela trajava um vestido verde com casaco preto e um scarpin de veludo que amassava os dedos. - É muito bom ver você querida. - Ela disse em um suave abraço e três leves tapinhas nas costas. Empurrou-me de lado e entrou jogando o casaco no sofá.

- É muito bom vê-la também mãe - fechei a porta e encarei-a. - Aceita um chá? - ela me olhou de cima a baixo e fez uma afirmação com a cabeça.

- Você deveria se arrumar melhor Elaya, olhe só para você, com essa calça larga, uma regata qualquer, meias e esse casaco fino de lã. Deveria... - as palavras dela sumiram conforme enchia novamente a chaleira e acendia o fogão, era comum quando estava com ela pensar em outras coisas. - Você não concorda filha? - ela me encarou esperando uma resposta.

- Quer chá do que? Tenho de camomila e hortelã. - ergui as caixinhas na frente dela para que escolhesse.

- Hortelã - ela revirou os olhos e percebeu que mais uma vez eu não havia prestado atenção em nenhuma palavra. - Seu pai e eu achamos que você realmente deveria ir ao grupo de apoio que recomendamos. Não deveria ficar aqui sozinha. Você acha que não sei que só sai daqui para ir dar suas aulas na universidade? Nós compreendemos que precisa do seu espaço, mas poderia ao menos ligar às vezes para eu saber como você está. - o barulho da água fervente começou enquanto ela ainda falava.

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⏰ Última atualização: Jun 29, 2019 ⏰

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