Quando tinha nove anos, fiquei presa em um buraco por uma noite e dois dias inteiros. Não me lembro de ter sentido quando atingi o chão, apenas de acordar com uma dor de cabeça muito forte e os olhos pesados demais para abri-los e, quando o fiz, horas depois, não enxergava. Presa a um conjunto de cipós muito grossos para meus dedos pequenos conseguirem remover sem cortá-los, eu não podia fazer nada além de permanecer deitada e tão imóvel que era possível, no escuro, para não me enroscar mais.
Entre as gordas raízes de uma árvore centenária, ora inconsciente, ora perdida na negritude com os olhos abertos, passei mais tempo do que gostaria com meus próprios pensamentos, tendo como exclusiva companhia os diversos pesadelos que tinha, àquela altura, moradia fixa em minhas pálpebras cerradas. E ela. Forte, quase palpável, sendo minha companhia quando eu despertava, no mesmo lugar, presa entre o silêncio e a escuridão infinita. Uma presença constante e desconhecida que sentia me rodear todas as horas, todo o tempo, impossível de ser ignorada, mas sem poder ser vista por meus olhos inúteis — inúteis como ficam ao fim do pesadelo que me persegue.
Fui encontrada por um Soldado da Sétima Província perto da noite do segundo dia, gemendo em mais um dos insistentes pesadelos, com fome, ferida e imunda como uma perfeita mendiga. Alegar uma perda de memória súbita após a pancada na cabeça ao cair, com um enorme galo e uma cegueira temporária para atestá-la, não foi difícil.
Eu queria ter realmente esquecido.
Para a descrença e desconfiança dos adultos de Mônaco, minha visão, que acreditávamos ter sido perdida, voltou dois dias depois, quando cheguei ao Colégio, como se nada tivesse acontecido aos meus olhos. Com o passar dos dias, deram-me como um milagre e tornei a ser uma simples órfã — ignorada e desimportante.
Que mal uma criança poderia fazer, afinal?
— Acho que vou falar com Penny.
Minha fala ecoa na saleta, cedida por Samantha, logo depois de todos os adolescentes serem dispensados das atividades programadas do dia, com um aviso para nos mantermos longe de passeios ao ar livre, até segunda ordem — frase que não me agradou muito. Não importa. Eu não integro este grupo seleto e sortudo que terá a manhã livre para explorar alguns dos cômodos da mansão, de qualquer maneira.
Quando deixamos nossa nova tutora, em um corredor paralelo ao que leva à entrada da enfermaria, de onde saí, assim que recebi o pedido implícito de Samantha — mais implícito do ponto de vista dela do que do meu.
"Se tivermos alguma informação sobre a real situação de Aliança, sobre as cartas que os rebeldes no Porto de Le Memorie, talvez possamos evitar outras situações como esta", foi sua fala.
"Situações como esta" foi, na verdade, a escolha de palavras utilizadas para se referir ao homem histérico, desmaiado, retirado do jardim de uma mansão histórica com mais de trezentos anos. E, o resultado? Chiara e eu numa sala vazia, exceto pelo sofá abaixo da janela, ocupado por ela, considerando uma conversa com grande significado para os Cae, Aliança — e talvez eu mesma —, que eu não imaginava que algum teria que ter.
E, no fundo, quero ouvir o que Penny tem para compartilhar.
Minha amiga me olha meio de canto.
— Você acha ou sabe? — Retruca.
Formo uma careta, cutucando alguns rolinhos de linha que há na mesinha.
— Eu sei que ela se arriscou muito para esconder os segredos que a mãe protegia —, torno a falar, como se Chiara não tivesse dito nada. — Ela guardou essas informações até a morte, e parece que as confiou à menina para mantê-las em segurança, e ela quer manter tudo em segurança por isso. Eu entendo o senso de obrigação que ela tem. Você sabe que sim. Mas acho que já está na hora de sabermos um pouco das histórias dela, não é?
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Artefatos de Sangue
Paranormal"Eu nunca quis ser parte disso. Nunca quis fazer parte dessa guerra. Nunca quis ter que escolher um lado. Mas, por eles, e por mim, eu finalmente queria tentar". Embarque nessa aventura, afogue-se nessa história enigmática e envolva-se num mundo de...