Encontramos Frida no corredor, tirando fiapos inexistentes de sua roupa, sem tirar o olhar do ponto fixo que é a parede oposta à que ocupa. Sua pose, sentada no chão com as pernas cruzadas, seria relaxada se ela não parecesse estar em transe.
— Frida?
Ela ergue a cabeça, com um sobressalto. Em seguida, sorri, ao ver-nos. Seus lábios parecem tensos, e isso é um claro prenuncio de que ela esconde coisas.
— Encrencadas? — Brinca, levantando-se e puxando-nos pelo corredor.
— Quando eu não estou? — Aceito a brincadeira, recebendo seu braço no meu.
— Vamos, acho que podemos nos encontrar com os outros antes da primeira atividade do dia começar de fato.
Frida conta que teremos orientações na Ala Oeste, provavelmente na "praça", ou como quer que chamem o espaço que permanece vazio no centro do círculo de cabanas, onde estive em meu primeiro dia aqui.
— Esbarrei em uma das veteranas, quando vocês estavam lá dentro —, explica ela, enquanto tentamos encontrar o caminho para fora do prédio imitando nossas passadas dos dias anteriores, quando somente tivemos que seguir a multidão. — Ela falou que os novatos se encontrariam naquele espaço nesta Sexta para ter, de acordo com ela, A Conversa.
Ergo uma sobrancelha, virando-me para a esbelta garota, que faz uma careta similar à minha.
— De onde tiraram este nome?
— Devem ter sido os novatos que o deram e acabou pegando —, diz, dando de ombros.
Sua mania de dar de ombros aparece no instante certo para dar a impressão de descontração à fala cotidiana e sem importância. Ao invés, sinto-a tensa, mesmo estando a uns metros de distância de mim, como se a explicação de uma coisa simples e nada confidencial fosse mais importante do que parece. A sensação de que Frida segue em um mundo aéreo e pensativo me aflige, pois não a vi absorta assim desde que nos conhecemos — mesmo esse tempo sendo curto.
Calo-me, para o claro alívio da garota, que recebe um sorriso inocente de Penny, em resposta.
Por fim, chegamos ao imenso saguão. As portas duplas em ambos os lados abrem uma entrada à Leste, que sei guiar até a lateral do prédio adjacente e ao refeitório, e à Oeste, que deduzo dar no jardim. Seguimos para o segundo.
Os ruídos são ouvidos de imediato, dezenas, centenas até, de adolescentes e jovens conversando sem parar, alguns espalhados pelas paredes da mansão e outros adentrando o prédio com passos ansiosos que, eu confesso, não consigo dar. O Sol está alto e não há maiores sinais do temporal da véspera do que pequenas nuvens brancas espalhadas pela imensidão azul.
— Eu tenho certo preconceito com esse cheiro, confesso —, manifesta-se Frida, olhando para o lado do mar com o nariz enrugado e uma careta indiscreta.
— O quê? O sal do mar? — Sou eu quem pergunta.
Ela se volta para minha direção parecendo surpresa, como se eu não devesse ter ouvido sua sentença nem um pouco silenciosa. Não responde, apenas dá de ombros uma vez mais. Começo a me indagar se devo preocupar-me com suas estranhas reações às coisas mais comuns do dia, que tenho observado. Contudo, asseguro-me que não há motivo para isso e deixo-me voltar ao estado de relaxamento de antes; isto é o mais perto que posso chegar do conforto.
Penny aponta tudo para que eu veja, com uma empolgação típica de crianças. Seus olhos brilham ao olhar para as ondas calmas que se achegam à praia distante, acendem-se ao ver a floresta à direita e derretem-se ao ver a área das cabanas.
— É mágico.
Sorrio para sua exclamação apaixonada, concordando com a cabeça. Mas a palavra escolhida logo me atinge e perco a vontade de fazer outra coisa que não fugir.
"Covarde!", é minha recriminação silenciosa. "Tomou sua decisão. Não tem mais para onde ir e deve aprender a viver aqui", lembro-me, para então balançar a cabeça e focar em meus passos.
A relva é verdinha e saudável aqui. Enquanto em Aliança este período é um frio Inverno, o ápice da Primavera está acontecendo neste lugar, e eu encontro uma centena de flores escondidas sob a grama alta que trilhamos, antes de enfim chegarmos ao topo do campo reto, onde se inicia uma colina suavemente encurvada, que nos propõe uma visão privilegiada da área das casinhas e de uma vasta porção da floresta.
É impossível discordar da expressão que Penny usou para descrever este lugar: é tudo mágico.
Meu corpo reconhece a sensação da magia no instante em que dou um passo para frente, e não posso dizer que o sentimento é totalmente bom.
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Artefatos de Sangue
Paranormal"Eu nunca quis ser parte disso. Nunca quis fazer parte dessa guerra. Nunca quis ter que escolher um lado. Mas, por eles, e por mim, eu finalmente queria tentar". Embarque nessa aventura, afogue-se nessa história enigmática e envolva-se num mundo de...