Renata esticou o corpo na cadeira, passando as mãos pelo coque do cabelo enquanto dava um bocejo. Tendo as pernas cruzadas, balançava o salto alto meio descalçado do pé direito para cima e para baixo enquanto os olhos cansados insistiam em se atentar ao computador. Da última vez que olhara pela janela, o céu ainda estava laranja, sua nova checagem confirmando já haver escurecido – e fazia tempo.
Era, felizmente, uma cientista multifuncional: embora detestasse o termo, fazendo-a remeter a uma impressora ou coisa parecida. Além de física, tivera seu tempo como bióloga: USP, Projeto TAMAR... Fora seu esforço em defesa das tartarugas marinhas, por sinal, que a direcionara à pesquisa com propriedades da matéria, buscando eliminar o lixo nocivo à fauna marinha. Encolhê-lo para que não fosse despejado no oceano.
Megera! Desfaça o que fez com a gente!
Sua piranha, vagabunda!
Vadia! Nos faça voltar ao normal, agora!
As vozinhas mirradas vindo da caixa de vidro, que Renata acreditara em vão ser capaz de contê-las, revelavam que ela realizara suas descobertas para encolher, sim, lixo; mas de outro tipo...
O programa no computador estava prestes a concluir a análise da amostra de sangue. Obtê-la de uma de suas cobaias dera trabalho, mesmo prendendo-a sob os dedos de sua mão – o infeliz do Ribeiro não parava de se mexer, e cortá-lo errado com a reduzida lâmina de coleta com certeza o mataria, ainda mais se atingisse uma via vital. Apesar de todos aqueles pesquisadores serem pessoas repugnantes, estava em seus planos mantê-los vivos... por enquanto.
Ela sorriu. Ao final, Ribeiro deveria era agradecê-la, pois ganhara um adicional em ração de rato aquela noite para repor o vigor.
No entanto, era um dos que mais a insultavam, batendo os punhos contra o vidro do recipiente sem se importar com as forças que lhe restavam ou não devido ao sangue perdido.
Conforme Renata imaginava se fazê-lo perder mais o sossegaria, a barra de progresso no monitor se encheu. O resultado do exame foi reproduzido numa enorme lista dentro do programa, a qual a cientista passou a percorrer girando a roda do mouse com um dos dedos.
Conforme leu, seu queixo desceu – contendo-o ao cobrir toda a área da boca com a outra mão. Os olhos vidrados na tela sequer piscavam, os óculos refletindo a claridade por ela emitida e os dados vistoriados rapidamente pela pesquisadora.
Ela desconfiara quando, ao ser transportado pela última vez da pochete à caixa, o doutor Cruz lhe mordera os dedos e, em reação, ela simplesmente o atirara ao interior do vidro de uma altura considerável. O físico deveria ter se espatifado, quebrado a maioria dos ossos e o corpo, retorcido... Mas, embora demonstrasse, sim, ter sofrido fraturas graves nos primeiros minutos após o impacto, continuara vivo junto com seus xingamentos... E, ao final da tarde, já estava praticamente intacto, ficando de pé e andando como antes.
O porquê estava ali, exibido no monitor como um capricho de Deus – ou do demônio – insistindo em proteger aqueles desgraçados. Por efeito da redução de tamanho, o metabolismo das cobaias acelerara enormemente, seus corpos produzindo e consumindo energia em escala espantosa. Isso lhes concedia avantajada capacidade de regeneração, inclusive de lesões e ferimentos graves, além da constante necessidade de ingerir alimento. Ficava compreensível, embora não aceitável, Ribeiro ofendê-la tanto mesmo após sua porção extra de ração.
E pensar que, afinal, privar aqueles machinhos de tudo para sofrerem na pele o que haviam tentado lhe fazer seria mais custoso do que gostaria.
Enquanto raciocinava sobre a questão, o encontro prévio daquela tarde de súbito lhe voltou à mente:
– Duda... – Renata murmurou, retirando os dedos dos lábios e usando-os agora para segurar o queixo. – Eu deveria avisá-la?
Seu celular estava próximo, sobre a bancada; abrir o WhatsApp para enviar um par de mensagens não lhe consumiria mais que um minuto.
Com os pensamentos confusos em meio aos insistentes berros das praguinhas, a doutora concluiu que não.
A amiga desejava ensinar uma lição ao namorado. Que ela descobrisse por si só sua resistência aos castigos que lhe impusesse, até para aumentar a intensidade destes conforme a situação ficasse clara...
Ela mordeu o lábio inferior, voltando a atenção ao viveiro das cobaias.
Aproximou uma mão da beirada do vidro onde os ex-colegas de pesquisa se concentravam, contraindo o dedo indicador sobre o polegar. A seguir, estalando-o num peteleco, fez com que colidisse contra a caixa. Toda ela estremeceu, o vidro retinindo e lançando os cientistas para trás, cambaleando ou caindo sentados. Alguns taparam os ouvidos, incomodados pela ressonância. Os gritos persistiram, ainda mais indignados e estridentes.
A nova circunstância não era um empecilho, refletindo melhor. A resistência física faria com que aqueles malditos aguentassem mais. Poderia lhes gerar dores impensáveis a um humano comum, rodadas de torturas superiores às imaginadas por Dante aos condenados do inferno...
Suspirando lívida ao concluir a natureza da situação – e talvez finalmente compreendendo a razão da amiga Eduarda gostar tanto de colecionar miniaturas – Renata entendeu que a redução de tamanho transformara aqueles homens em brinquedos. Podia-se puxar seus braços, deixá-los jogados, espremê-los... e não quebrariam.
E, como boa filha única, não estava nada inclinada a dividi-los.
Inclinando-se sobre a caixa, ela removeu a tampa. Os pequeninos ergueram as cabeças em apreensão, ainda maior quando esticou um de seus braços cobertos pela manga do jaleco ao interior.
Eles fizeram o possível para sair do caminho. Rolaram, jogaram-se deitados pela base de vidro. Como tantos homens, esbravejavam e ameaçavam só por duvidarem se seriam punidos...
Encurralando Ribeiro junto a um canto da caixa, Renata deu-lhe um bote com seus dedos.
O pesquisador contorcia-se em seu punho enquanto era erguido fora do recipiente, tentando talvez escorregar pelo jaleco para fora da mão. Inútil. Voltando a diminuta face para Renata, cuspiu – embora o minúsculo fio de saliva tenha se perdido no ar. Ela tinha de dar-lhe o crédito de permanecer corajoso mesmo depois de apanhado:
– O que está fazendo, sua puta? – enfrentava-a em sua voz aguda. – Me faça crescer de novo, maluca!
– Oh, eu até faria, doutor... – ela respondeu novamente acomodada à cadeira, conservando-o suspenso em frente ao rosto e observando suas perninhas balançando ao penderem abaixo de sua mão. – Mas ainda não descobri o cálculo correto de energia do aparelho para isso. Além do mais...
Ela levantou de leve as pernas, colocando os dois pés na ponta dos dedos, os calcanhares se elevando fora dos sapatos.
– Não conseguirei nada se continuarem me atrapalhando com essa algazarra!
Assim falando, a doutora desceu o punho até a base da cadeira, inserindo Ribeiro no vão aberto entre seu calcanhar erguido e o interior do sapato esquerdo... soltando-o dentro dele.
Antes que o protesto do pesquisador pudesse ser ouvido com clareza, Renata abaixou o pé.
Ela soltou um muxoxo extasiado conforme sentiu a textura do pequenino sob sua sola, os braços lutando por espaço e ar assim lhe proporcionando massagem involuntária. Deslizou o membro pela área disponível no interior do calçado, de um lado a outro, para frente e para trás... os brados desesperados de Ribeiro ainda saindo abafados pelos vãos, até se tornarem murmúrio... e desaparecerem.
Permitiu-se realocar o peso do corpo sobre os dois calcanhares, firmando os sapatos em seus saltos. Endireitou-se na cadeira, retornando a atenção ao computador.
Na caixa de vidro, um pio sequer.
Conforme inseria novo comando pelo teclado, Renata sentiu um princípio de cócegas na sola esquerda, retornando de quando em quando sempre que o cientista encolhido recuperava alguma força para resistir...
O melhor de tudo era ela saber que sobreviveria, e poderia repetir aquilo infinitamente.
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Meu Amor na Estante
Storie d'amoreSérgio e Eduarda eram um casal feliz. Ele, um nerd, fã de cinema americano e games. Ela, otome, apreciadora de mangás, animes e... action figures. Quem diria que esses simples bonecos se tornariam ponto de atrito tão intenso entre os dois, abalando...