Olá, Olívia

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          Para os humanos comuns pode ser uma formalidade usar preto no velório de alguém, mas na família Nicholaj, assim como na maioria das famílias bruxas tradicionais, isso era mais uma casualidade, visto que usavam preto o tempo. Olívia detestava essa ideia de família tradicional, assim como qualquer tradição carregada de regras e deveres, mas usar preto era algo que sempre lhe agradou. Era muito fácil para ela usar as roupas e se apropriar de outros padrões bruxos, para assim passar despercebida entre eles, mas isso não a impedia de sofrer a cobrança  e a pressão que seus pais a impunham pelo fato de ainda não apresentar nenhuma habilidade mágica.

          Não importava o quanto Olívia estudasse, se esforçasse ou se embebedasse com os estimulantes mágicos que a mãe lhe preparava, a jovem já beirava os seus dezoito anos de idade e nada de sua magia aflorar. E, agora com a morte de sua avó Clotilde, Olívia se sentia ainda mais desestimulada a apresentar qualquer sinal mágico. "Você precisa acreditar no seu poder, querida. Ele obedece a tudo o que acreditamos de verdade" dizia a avó, diversas vezes na tentativa de convencer a menina.

          - Ela acreditava em mim, sabe? - Dizia Olívia para o irmão mais novo em seu colo, jovem demais para compreender suas palavras - Mas só o que ela deixou para mim foi um livro velho de magia que eu não faço a menor ideia de como usar. E não adiantaria muito se  ela estivesse aqui para perguntar, pois ela diria o de sempre "Não veja para crer, creia para fazer" - remendou o jeito de falar da avó, sentindo-se abraçada quando o pequeno Mateo riu de sua imitação.


...


          Já eram 4:45 da manhã, Olívia mantinha-se concentrada em ler o livro que herdara da avó. Já estava acostumada a estudar por horas a fio, e naquele momento ler a ajudava a esquivar-se da dor da perda. Era muito difícil aceitar a morte da única pessoa que acreditava nela, quando nem ela mesma acreditava em si, e talvez essa dor nunca passasse. Olívia já esperava o pior vir em situações ruins e pouco favoráveis para o seu emocional: as dores de cabeça, insônia, falta de ar, crises de choro, mas dessa vez tudo que ela sentia era uma dor enorme isolada no peito acompanhada de um desânimo que não permitia que a garota sequer demonstrasse o que sentia. 

          Concentrada na leitura, ela já havia lido muito e quase tudo do que a avó dizia sobre acreditar na magia, porém de forma muito coesa e magocientífica¹. Com o título que Olívia traduziu de um escrito antigo como sendo Livro do Caos, o calhamaço trazia infinitos capítulos de como evocar e invocar o que são chamados de Servos Astrais, entidades de energia astral que atende aos comandos daquele que o evocou. Aquilo a assustou e igualmente a seduziu, visto que o escrito dizia mais de uma vez que os tais servos atendiam pedidos e ordens de origens emocionais, mentais e racionais, fossem elas de cunho físico ou espiritual. 

          Se ela até então não havia conseguido realizar magia por esforço próprio, a ideia  de trazer para perto uma presença astral que a ajudasse era tentadora - pelo menos isso foi o que ela usou para se convencer como bom motivo para tentar a magia do caos. Tudo o que ela precisava era atingi o estado de gnose², atender aos requisitos do ritual de evocação, desenhar o símbolo do servo astral escolhido e, o mais importante, acreditar no seu intento, aquilo que vai ser pedido. Olívia então acendeu as velas do seu quarto, fez um ritual de banimento para limpar toda a energia do ambiente, desenhou o sigílo do servo escolhido em seu grimório e se preparou para a meditação.

          A escolhida para evocação foi uma serva denominada A Afogada que, segundo o Livro do Caos, prometia atender e auxiliar em questões mentais e afetivas. Olívia atingiu o estado de gnose através de uma longa meditação e chamou incansável pela serva, as chamas das velas em sua volta tremiam e o ar do quarto parecia ficar mais frio. A garota teve a impressão de ouvir barulho de água caindo no chão enquanto se concentrava em acreditar no seu intento e chamava pela entidade. Quase uma hora de meditação depois, ela já sentia a dureza e o frio do assoalho torturarem seus pés e seu traseiro e, quando ela já começava a temer que não tivesse dado certo, tudo foi por água abaixo com uma crise repentina de falta de ar. 

          A falta de ar sempre vem seguida de um choro incessante que faz doer o peito, mas dessa vez era pior, pois o peito já abrigava mesmo antes uma dor imensurável. Quando o choro e a decepção de mais uma tentativa que dera errado não eram mais suficientes, a jovem bruxa se pôs a gritar.

          - EU SÓ QUERIA ESSA DOR FORA DE MIM - gritava entre soluços, atirando na parede as velas, pedras e até o livro que se encontravam ao seu lado - EU SÓ QUERIA ELA AQUI COMIGO MAIS UM POUCO!

          Olívia tinha agora sua mente fora de si, embora fosse nítida a força presente no desejo de voltar atrás que ela gritava com tanta raiva, frustração e fervor. Não demorou muito para que ela notasse que uma das velas atiradas tivesse colocado fogo em uma cortina, então por impulso correu em direção a janela para tentar apagar as chamas. Mas antes que pudesse alcançar o incidente, a garota escorregou em uma poça de água que não estava alí antes e caiu, batendo a cabeça.

          Sentiu a cabeça pesar e o corpo todo doer, e o escuro era tamanho que ela não sabia dizer se estava com os olhos fechados ou abertos. Lembrou-se do fogo nas cortinas e tentou olhar rapidamente na direção do ocorrido - rápido demais para a dor que sentia na cabeça, constatou ela. O fogo não existia mais. Nesse momento ela entendeu que talvez tivesse ficado desacordada por algum tempo após sua queda, mas então o que teria apagado o quase incêndio? Olívia podia ouvir o mesmo barulho de água caindo no chão que ouvira antes, assim como o frio dominando o quarto. Seria uma chuva que teria apagado as chamas? Em mais uma tentativa de se mover e ignorar a dor, a garota colocou o olhar em direção ao relógio na mesinha de cabeceira, quando uma voz repentina lhe tirou mais uma vez o chão:

          - Olá, Olívia, me chamou?


...

1- Magocientífica: é como chamaremos o estudo da magia na história.

2 - Gnose: estado de concentração em que a mente fica limpa de pensamentos.

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Olá, meu nome é Lucas. Essa é a primeira vez que escrevo uma história em capítulos, e também a primeira vez no Wattpad. Espero que gostem, e conto com as dicas e feedback e vocês <3

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⏰ Last updated: Jul 04, 2019 ⏰

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A Evocadora - Livro do CaosWhere stories live. Discover now