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As duas acabaram dormindo na minha casa, mas, logo que o sol nasceu, tive dificuldades para acordá-las. Elas foram embora nos seus respectivos carros. Minha família e eu tomamos um café o mais silencioso impossível, acho que até escutei o mosquito passar pelo silêncio que se instalou na cozinha. Acho que estão com mais medo do que eu, em relação a essa consulta, possa sentir e ver nos dois.

Enquanto papai dirige, em minha cabeça se passa um filme: desde quando descobrimos a doença, até quando não tinha nenhuma melhoria e tendia a piorar com os anos. Isso faz dois anos, e minha vida tem sido uma surpresa todos os dias. Tem os dias em que passo mal, e até os em que não passo, quando tenho vontade de morrer mais rápido ou viver cada minuto intensamente.

Uma montanha russa de emoções.

O hospital, o qual venho desde de sempre, é elegante, enorme e só para crianças.

É tipo assistir a Grey's Anatomy ao vivo e viver dentro da série, mas sem a Meredith e companhia. Só tenho Liza, a melhor enfermeira do mundo inteiro. Sem ela, não teria conseguido passar por tudo.

Espero pela mesma na sala de espera, onde as crianças menores me olham curiosas por alguém maior estar com elas. Ignoro os olhares e foco na porta para que abra e a enfermeira passe por ela.

Quando revela uma mulher loira de olhos castanhos, quase pulo da cadeira, animada por vê-la.

— Oi, pivetezinha — Liza diz à minha frente, com um sorriso enorme nos lábios.

— Oi.

— Bom te ver assim — comenta. — Vamos?

Sei o que quer dizer com isso, sempre que chego aqui, para o tratamento, cabisbaixa e sem querer conversar com ninguém, era eu e eu.

Me isolo de todos, porque não quero que saibam que estou doente, como se eles não estivessem passando pela mesma coisa que eu.

Enquanto andamos pelo corredor, reconheço algumas pessoas que estavam comigo enquanto eu estava em tratamento e, pelo jeito, ainda continuam na mesma. A maioria é criança, com seus pais e amigos. Poucos saíram e alguns não têm nem previsão para sair.

Esse é pior lugar de se vir, os quartos são decorados conforme os pacientes querem e sempre há desenhos espalhados pelas paredes dos quartos. É triste vê-los sorrindo, acreditando em cura. Quando olhamos seus pais, só vemos em seus olhos a dor de que vão perder seus filhos para uma doença.

— Pode sentar ali, Ariel.

Ela aponta para uma poltrona perto da janela.

Sento e olho em volta. Nada mudou nessa sala de triagem, ainda tem umas anotações no mural, poltronas com cobertores e enfermeiras que andam de um lado para o outro. A mesma coisa de sempre.

— Como está? — pergunta Liza à minha frente, arrumando os instrumentos para tirar meu sangue.

— Bem, eu fui a uma festa sábado — conto e estico meu braço para ela.

— Uma festa. — Soa surpresa. — Pensei que nunca iria a uma festa, Ariel.

— Mas eu não fui porque quis — justifico.

Ela me espeta com a agulha e tira meu sangue.

— Não? — Ergue seus olhos castanhos até meu rosto e sorri.

— Minhas amigas me obrigaram — explico. — Sabe como elas podem ser.

— Sei muito bem como são.

Liza conhece Rowan e Nancy de quando vinham me trazer para a quimioterapia e achou elas uma graça por serem tão atenciosas e carinhosas comigo. Só que elas não escondem como são até mesmo aqui, então Liza sabe como são escandalosas quando querem.

Está Chovendo Estrelas [DEGUSTAÇÃO]Onde histórias criam vida. Descubra agora