64 - Passarinho (✓)

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"Ninguém pode me proteger. Ninguém pode proteger ninguém."

Sansa Stark

***

Sansa estava observando tudo de cima. Seu rosto estava impassível diante dos mortos que se aproximavam. Não tinha dragões, nem habilidades com espada, mas era uma sobrevivente. Tinha sua força concentrada em seu cérebro e precisava pensar bem à frente de todos ali.

Havia visto Jon e Daenerys mais afastados nos últimos dias. Ele estava estranho, sofrendo por alguma coisa que ela não sabia ainda o que era. 

— O que não sabemos geralmente é o que nos mata. — Ouviu a voz de Mindinho em sua mente. Ela precisava descobrir que segredo o irmão estava escondendo dela.

Pensou em Daenerys, na tristeza em seu rosto, oscilando com a alegria. A Rainha estava abatida, mas esperava um filho que a iluminava, essa que seria uma das primeiras crianças do inverno. Não seria como ela, pensou, Sansa era uma criança do verão.

— Passarinho... — Ela olhou para trás e não havia ninguém. Começou a cutucar os dedos, arrancando pedaços de unha, algo que fazia sempre para aliviar a constante ansiedade. Ela achava que a escuridão estava fazendo todos enlouquecerem.

Observou Arya a treinar no pátio do castelo incansavelmente. Sua irmã havia se tornado uma assassina perigosa, mas ainda era uma criança para ela. Sabia que Arya havia sentido muita falta de casa, ainda que não admitisse, e que por isso treinava como nunca, porque não queria perder sua família outra vez.

Sansa também não queria perder a família. Porém, não havia conseguido ficar feliz quando Jon lhe contou que logo haveria uma criança, uma nova vida, uma descendente de Starks e Targaryens. Ela não acreditava mais em felicidade assim àquela altura. Sentiu apenas dor por Jon e pena por Daenerys. O mundo era um lugar terrível e ela apenas pensava nos destinos de Robb e Talisa.

— Cada ferida é uma lição e cada lição nos torna melhores. — Sua mente repetia enquanto ela negava isso para si mesma, mordendo a boca por dentro. Seu corpo era inquieto, assim como sua mente.

As lições de Cersei e Mindinho haviam apenas destruído sua capacidade de sonhar. Roubaram dela todas as esperanças. As lições de Ramsay, por sua vez, haviam machucado seu corpo e humilhado seu espírito, massacrando-a como mulher. Não se sentia melhor, nem grata por essas lições, sentia-se apenas mais triste e mais dura, mais inflexível, como uma ostra que se fecha totalmente para proteger seu interior frágil.

— Você não pode me matar, sou parte de você agora. — Ela ouvia a voz de Ramsay todas as noites em seus pesadelos e chorava amedrontada, sem ter em que se agarrar para se sentir segura. Ele havia morrido, mas seguia vivo, a torturando secretamente em suas lembranças.

Sansa não conseguia mais imaginar qualquer homem tocando-a, aproximando-se dela mais do que qualquer um se aproxima respeitosamente de uma lady. Quando menina adorava se ver no espelho, se envaidecia com os olhares dos garotos, mas agora apenas sentia raiva de suas feições, da beleza que atraía olhares asquerosos de desejo dos homens.

Ela se sentia forte, mas a que preço havia se tornado assim? A criança mimada e ingênua dentro dela havia sido lapidada naqueles anos para se tornar uma adulta fria, calculista e desconfiada. Acima de tudo, uma adulta que não espera nada de bom dos outros.

Do outro lado, ela viu os nortenhos, os dothrakis, os homens do Vale, os imaculados e todos os demais que se organizavam para lutar. Todos tinham os olhos arregalados, o corpo trêmulo de cansaço, os músculos travados de tensão. Ninguém nunca havia lutado uma guerra daquelas.

— Está querendo algo, Lorde Varys? — Ela havia perguntado ao conselheiro de Daenerys quando o vira sutilmente se inclinar próximo à porta da sala em que Jon, Bran, Sam e Gilly conversavam.

O eunuco havia se assustado à princípio, mas logo o sorriso tomara seu rosto.

— Saber é poder, milady. Creio que entenda isso tanto quanto eu.

Ela começou a conversar mais com Varys depois daquele dia. Ele tentava sempre tirar informações dela e pareceu aborrecido que Daenerys não lhe informasse sequer de sua gestação.

— Ela deve temer que conte a Tyrion. — Disse Sansa, enquanto caminhavam pelos corredores do castelo. Os demais haviam saído para os vilarejos, para cercar os mortos enquanto deixavam os que não sabiam usar espadas ali, guerreando com palavras.

— E por que eu contaria? — Perguntou Varys.

— Porque é mais próximo do Leão Branco do que do Dragão.

— Você também é, milady. — Varys a encarou — Confia mais nele do que nela, não é?

— Confiança é algo muito frágil para se depositar em um ser humano. Antes confio nos cães que me guardam em Winterfell.

— Compreendo. Mas deve estar pensando algo sobre a Rainha agora que a conheceu, não é?

Sansa sabia que essa não era uma pergunta inocente, mas respondeu como se fosse.

— Eu vejo coisas nela que são parecidas com as coisas que há em mim. Eu a aprecio, tanto como esposa do meu irmão, como aliada de guerra, mas não a conheço a tempo o suficiente para saber se a apreciarei como Rainha.

— E seu irmão? Jon tem um segredo, não é?

— Sim. — Respondeu ela — E nós dois seremos os primeiros a descobri-lo.

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Nota: A Sansa da série era para ter muitas sequelas emocionais e me incomodou muito vê-la dizendo que havia se tornado forte por ter passado pelo que passou. Violência sexual e psicológica enfraquece qualquer pessoa, adoece sua mente. A casca que parece de força, na verdade é de autodefesa. Sansa aprendeu a se defender se protegendo de tudo e todos, estando sempre muito vigilante. Era para ser uma pessoa tremendamente ansiosa e melancólica se fosse baseada em pessoas reais. Por isso dei uma mexida nela e fiz esse capítulo também mais "parado". Juro que logo partirei para as tretas rsrs... Mas acho válido mostrar os personagens principais por um ângulo que a série desprezou.

Final alternativo para GOT (concluída)Onde histórias criam vida. Descubra agora