Capítulo 1

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   Estou escorado no parapeito da janela do meu quarto observando a festa na casa ao lado. Enquanto todos curtem e dançam ao som ensurdecedor da música, Michael, o dono da festa, está num canto, bêbado e com um cigarro entre os dedos. Não tenho certeza, mas parece estar chorando. Acho isso muito estranho, pois Mike, como todos o chamam, sempre foi muito alegre e diverte todos à sua volta e, mesmo que nunca tenhamos sido amigos e nossas conversas não passem de poucas palavras quando nos vemos, essa característica alegre e divertida dele é muito visível para qualquer um. Mike pode ser considerado o "bobo da corte" do seu grupo de amigos, então vê-lo chorando é algo totalmente inacreditável.

   Saio do meu devaneio de teorias sobre o que pode estar causando o choro de meu vizinho quando vejo alguém se aproximando dele, saindo dos arbustos. Mike pelo visto não o vê, ou não demonstra ver. A pessoa que caminha estranhamente curvada, e está com botas e calça pretas, além de um casaco com capuz que me impossibilita de ver seu rosto, tira uma faca da manga de seu casaco e se aproxima de Mike sorrateiramente e antes que ele possa se virar tapa a boca do mesmo com a mão e enterra a faca em seu pescoço. Foi aí que eu tive a certeza: Mike realmente não havia visto aquele vulto preto na noite.

   Assim que o assassino tira a faca, posso ver o sangue de Mike jorra e consigo vê-lo e manchando sua camisa branca. O criminoso o solta e eu assisto boquiaberto o corpo inerte do meu vizinho cair no chão. Meus olhos se enchem de lágrimas e eu não consigo me mexer, minha voz não sai e eu estou suando. O assassino olha em volta, provavelmente checando se alguém presenciou a cena e então corre para o meio dos arbustos novamente, sem dúvidas utilizando a floresta como rota de fuga. Saio da janela tropeçando em meus próprios pés e me deito, pensando que dormiria e aquilo passaria, como um pesadelo. Como sou tolo. A imagem de Mike sendo assassinado me perseguirá pelo resto da minha vida, tornando as noites de sono tranquilo em mares de tormento. A culpa me atingirá como uma espada atinge um soldado em uma guerra. Eu deveria ter ajudado meu vizinho, é verdade que eu estava longe, mas talvez se eu tivesse gritado poderia ter assustado aquele bandido e meu vizinho poderia estar vivo. Agora não há mais tempo.

   Acordei horas mais tarde, com meu celular tocando e uma dor de cabeça terrível. Não tive forças para levantar da cama e pegar o celular que eu havia deixado em cima da escrivaninha, então ignorei a ligação, seja lá quem fosse. Lembrei-me então do meu pesadelo, no qual meu vizinho tinha sido assassinado e um arrepio percorreu meu corpo. Só então ouço o barulho de conversas e sirenes, levanto-me e vou até a janela. Não pode ser! – pensei. Isso não pode ser real. Foi um sonho. Não foi? Será que é só a minha mente me pregando peças? E se foi real, o que será que aconteceu com o corpo dele?Não vejo nenhuma ambulância ou carros do IML. Será que já foram embora e restaram apenas os policiais fazendo seu trabalho? Ou será que o assassino voltou e levou o corpo de Michael sem ninguém perceber? Não há como saber. Ou será que eu ainda estou sonhando? Não pode ser. Nenhum sonho poderia ser tão real assim, ou poderia?

***

   O tempo foi passando, minha mente procurando loucamente por respostas e meu olhar fixava-se cada vez mais na floresta que se tornara ainda mais sombria. Sem pensar direito, desci as escadas correndo e atravessei o quintal na mesma velocidade, sem me importar com quem ou se alguém me veria. Eu precisava de repostas e eu as conseguiria custasse o que fosse.

   Hesitei à beira da floresta, mas logo prossegui. Um passo de cada vez, tentando esconder que meu coração estava prestes a sair pela boca e que eu estava suando frio. Eu havia adentrado na mata apenas alguns poucos metros, mas pareciam quilômetros. Foram apenas alguns minutos que mais pareciam horas intermináveis. Ao olhar mais adiante, em uma pequena clareira, vi um objeto reluzindo à luz do luar. Andei devagar até lá e percebi que o objeto era uma fivela que enfeitava uma luva preta. Eu até teria ignorado aquilo, pois podia ser apenas uma luva qualquer perdida por uma pessoa qualquer que tinha ido à floresta de encontrar às escondidas com outro alguém qualquer, mas quando ocorre um assassinato e você encontra uma luva visivelmente manchada de sangue em um lugar consideravelmente perto do local do crime, é uma pista a se considerar. Eu me dei conta de que estava agindo da forma mais errada possível, já que o certo seria ligar para a polícia e me apresentar como testemunha. Até mesmo fingir que não havia presenciado aquilo e poupar de encrencas teria sido uma escolha melhor. Onde é que eu estava com a cabeça? Mas eu já estava ali, a curiosidade e o pânico tomavam conta de mim juntos e eu simplesmente não podia, não conseguia resistir à tentação de examinar aquela luva.

   A adrenalina estava a mil e eu podia sentir nitidamente cada batida do meu coração. Eu me dirigia a passos curtos, lentos e desajeitados, me aproximando mais, me abaixei vagarosamente e quando meus dedos estavam quase tocando a luva, ouvi um barulho de galhos quebrando com passos pesados. Meu coração parou. Um arrepio gélido percorre todo meu corpo. Levantei apenas a cabeça para ver a origem do barulho e a minha surpresa só aumentou com o que vi: botas pretas, uma calça preta de couro, um casaco preto com um capuz da mesma cor. Eu estava diante do assassino de Michael Bloom. Eu estava desesperado para gritar. Eu queria gritar. Eu tentei gritar. Mas parecia que o ar abafava minha voz, algo fazia minha voz se dispersar antes de sair da boca, acabando em apenas movimentos inúteis, eu não conseguia me mexer, o pânico tomava conta de mim.

   O assassino percebeu meu desespero e soltou uma risada rouca e levou as mãos até o capuz, retirando-o.

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⏰ Última atualização: Mar 12, 2021 ⏰

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