A desajustada.

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                                                                21 de Abril de 1999.

Foi ali, em sua casa de infância, ardendo como vermelho das folhas de outono, que conheceu o verdadeiro significado de estar em paz.
Enola sentia o cheiro de carne queimada, só conseguia imaginar a gordura borbulhando como se estivesse em uma frigideira, antes de tudo o que restasse fosse pó.
Porém, ela não se importou com os corpos de seus progenitores, apenas se contentava com o cheiro das roupas do homem que lhe carregava, ele cheirava a canela, suor e amoras.
Ele lhe colocou no chão úmido, o amaldiçoou por ter lhe privado de seus braços.

-Por favor... Não...

Sua voz saia extremamente patética, como uma criança pedindo colo para seu pai, e ele em sua misericórdia, a apoiou em seus braços novamente.

-Se acalme...

O som de sua voz tocando seus tímpanos eram uma doce melodia, como se fosse o próprio criador falando com ela, sentia os dedos longos correndo por seus cabelos.

São azuis.

Foi a primeira coisa que pensou quando olhou para ele, vendo seus olhos grandes em um azul-escuro, que pareciam ter capturado um enorme oceano em suas íris, porém, um estalo tirou sua atenção daqueles belos olhos azuis, a última pilastra de madeira que mantinha a casa em pé havia sucumbido as chamas, a fazendo parecer uma enorme fogueira.

-Por favor, não olhe..

Ele afogava seus dedos nos cabelos vermelhos como chamas, a colocando contra seu ombro, consolando-a como se não tivesse sido ele que havia colocado fogo na casa.

Sentiu-se triste por um momento, vendo todos os seus pertences em chamas, de seu velho computador até a roupa de balé que comprou com tanto esforço, não houve nem um pouco de remorso por não lamentar a morte de seus pais, eles mereciam morrer, aquele mafioso havia feito um favor fazendo isso.

Sua mãe era uma puta velha drogada, enquanto o seu padrasto era um homem alcoólatra que havia feito diversas tentativas de abusá-la.

Prostituição de menores não era algo que a Passione perdoava, mesmo sabendo disso, Laura Ciambelle, vendo que havia perdido toda a beleza que lhe restava com a idade, e só conseguindo alguns trocados por noite, e revoltada e com ciúmes da beleza que Enola havia herdado do pai, tentou fazer a filha entrar pelo mesmo buraco, e ela pagou o preço por isso.

-Está tudo bem...Eu vou cobrar alguns favores, tem gente que vai cuidar de você.

Foi a última coisa que ouvira antes de desmaiar novamente nos braços daquele homem que lhe agarrava.

O mafioso de olhos bonitos se chamava Bruno Bucciarati, e ele realmente cumpriu a promessa, lhe entregou para um casal de idosos que tinha um restaurante no centro de Nápoles, seus filhos já eram crescidos, então, a companhia e vigor de Enola eram bem-vindos.

Ela gostava de estar com eles, eram boas pessoas, trabalhar como garçonete e ir bem na escola era a única forma de recompensar por tratá-la tão bem, eles adoram vê-la dançar no fim de cada dia, nona Amelia dizia que ela fazia isso como um profissional.

A única parte ruim de trabalhar em um restaurante eram os clientes, sua beleza cobrava caro, assédios eram constantes, isso ia de simples apertos na traseira ou homens oferecendo dinheiro para que fizesse sexo com eles, era nessas horas que seu ódio sucumbia ao seu ser, tinha vontade espancá-los até virarem somente uma massa de carne sangrenta.

Felizmente, havia ele, Bruno ia todo sábado comer bruschetta e tomar vinho com um garoto de cabelo loiro, ficava feliz em servi-lo e esperar que um dia ele a notasse.

Con tutto el mi amore,Enola!Onde histórias criam vida. Descubra agora