Os dias se passaram como um borrão. Depois da última visita de Thomas, Sarah se desligou do mundo, abandonara as leituras, dispensara as aulas de Marie. A única atividade que prendia sua atenção eram as aulas com a cozinheira, a Sra. Pia Pattel, uma anciã de cabelos grisalhos e que trabalhava para a família Anson desde o casamento do duque.
Ao lado de Pia, sentia-se mais próxima da mãe. E, mesmo que ainda não a tivesse sabatinado sobre a história da família, sabia que podia extrair dela algumas respostas que procurava. Mas lhe faltava forças, não se sentia preparada para saber.
Faltava apenas um dia para seu debute, e as certezas que construíra nos últimos anos ruíam a cada badalada do relógio.
— Precisa se trocar antes do jantar, milady. — Pia retirou o avental de Sarah.
— Não vou jantar, Pia. Peça a alguém que me sirva um chá na biblioteca, por favor.
Pia assentiu, e Sarah deixou a cozinha, indo para a biblioteca. Não tinha ânimo para muita coisa, mas estava sem sono e, talvez, encontrasse algo para se distrair.
Perdida num livro de poesias, recostou-se ao sofá, esquecendo qualquer regra tola de etiqueta. Percebeu um movimento na porta, mas não olhou. Estava certa de que seria algum criado trazendo o chá, mas sentiu um leve arrepio ao inspirar o aroma de cedro e limão que a anestesiava. Ergueu os olhos e encontrou Thomas elegantemente trajado. Faltou-lhe voz para saudá-lo.
— Sarah... — Ele se sentou ao seu lado e tocou-lhe a face. — Está doente? Parece tão abatida.
Ela fechou os olhos e inclinou a cabeça para desfrutar do carinho bem-vindo.
— Por favor, fale comigo — pediu em um sussurro, e Sarah sentiu as pernas formigarem.
— Não estou doente... — Abriu os olhos para encará-lo. — Um pouco melancólica, talvez.
A profundidade do olhar de Thomas era hipnotizante. Num lapso de lucidez, ela se deu conta de que aquela era a primeira vez que olhava nos olhos dele. Tantos anos... tão distantes.
— Seu pai me desobrigou do acordo — ele declarou, cessando o carinho.
— Ele me desobrigou também.
— Então desistiu do casamento? — Seus olhos pareciam aflitos.
— Não sei o que fazer. — Um soluço involuntário atravessou-lhe a garganta e no mesmo momento ela sentiu as lágrimas banharem o rosto. — Não quero ter o mesmo destino que minha mãe, Thomas.
— Do que está falando? — Entregou-lhe o lenço e segurou sua mão.
— Já deixou clara a sua descrença em nossa união, e eu... — respirou fundo e secou os olhos —, eu não quero dividir meu marido com uma amante.
Thomas a tomou nos braços e beijou sua cabeça. Sarah fechou os olhos desfrutando o pequeno momento de intimidade. Ele a apertou contra o peito, tomado pela vontade de protegê-la. Nunca a vira daquela maneira, tão frágil.
— Sarah — Thomas lhe ergueu o queixo, analisando a face meiga —, eu jamais teria uma amante. Sei muito bem a desgraça que isso pode causar, nunca permitiria que nos acontecesse o mesmo.
— Não será capaz de me amar — declarou sinceramente.
— Mas a respeitarei e honrarei nossa família. Amor no casamento não é algo primordial, Sarah. Existem valores mais importantes.
— Amor não é um valor, Thomas, é um sentimento.
— Um sentimento egoísta, que fere e deixa marcas — disse e ela sentiu como se uma faca tivesse sido cravada em seu peito. — Se estiver de acordo, ainda tenho interesse em me casar com você.
VOCÊ ESTÁ LENDO
A Marquesa (Repostando)
Historical Fiction"Uma história de época que traz à tona temas atuais como a "igualdade de gêneros"! Londres, século XIX. Em um universo dominado pelo gênero masculino, a mulher era um ser à margem, não tinha voz nem vez. A mocinha não é uma super-heroína e, como tod...