Observo

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AS pessoas temem aquilo que não entendem e eu penso como seria se elas compreendessem tudo na vida. Única certeza que todos têm há milênios é que, no fim, todos morrem. Não entendo porque fui escolhido para essa função, mas não tenho nada ha reclamar. Não eu. Enquanto milhões de pessoas se perdem em pensamentos destrutivos eu me perco em incontáveis olhos, assustados, felizes, tristes, confusos e assim vai. Não é uma coisa ruim gosto de me preencher por um momento e logo depois olhar em volta e não ter mais olhos para ver, mais, olhos para caminhar ao meu lado.

Observo a garota permear a rua enquanto consigo ouvir seus sapatinhos na calçada de pedras. Ela salta pulinhos sorrindo, cantando uma música de ninar no mesmo tempo em que observa um caminhão do exercito passando pela rua, entra numa floricultura e de lá sai com rosas nas mãos voltando a salta pulinhos sorridente caminhando de volta para sua tão sonhada casa.

Caminho vagarosamente pela rua começando a cantarolar a mesma musica da garotinha tão pequena e frágil. As pessoas pensam que eu sou um ser, sem coração ou algo do tipo, no entanto, não é bem assim que as coisas funcionam, pelo menos, comigo não é. Eu me apego a certas criaturas, mas não posso me dar ao luxo nem de tocar apenas observar de longe, vendo a vida passando e analisando como a pessoa aproveita essa vida. Até que um dia eu tenho que visitar e segurar sua mão, e eu posso, enfim, me apresentar como uma velha amiga ou um velho amigo. Algo nela me intriga demais da conta, não sei se é por causa do seu jeito extrovertido já tão pequena, ou suas manias, ainda mais uma que por sinal; um tanto, estranha para esse século. Ela sempre calça o mesmo sapato, o sapatinho pequeno tintado de amarelo. Um sapatinho que ela demonstra amar profundamente, talvez seja porque o pai a presenteou quando a mesma nasceu sabendo que levaria um tempo para ela poder calçar os lindos sapatos chamativos. Mas ela não larga de jeito nenhum fico a pensar o que ela fará quando os sapatinhos não servirem mais.

Eram tempos de guerra, dor e muita tristeza, mas nada, nada abalava aqueles lindos olhos felizes, aquele sorriso estampado no seu rosto, o ar de vida que a mesma exalava por todos os lugares, que, cada vez mais despertava meu interesse interno, e eu sei, o relógio que eu carrego falta muito para me avisar que está na hora. E eu fico feliz por isso, feliz que você ainda não saiba que seu lindo sapatinho tem tempo de vida para seu totalmente, fim.

Observo as casa do alto, um monte de pontinho brilhante, brilhando com as lamparinas que não apagam que estão cheia de combustível. Sorrio de canto fitando o céu acima de mim brilhando com dezenas de estrelas. Chego perto da sua janela vendo sua mãe cantando a canção de ninar que você tanto gosta e fico a imaginar quando você enxergara que o mundo existe muita dor também. Queria poder ter a chance de mudar tudo de poder aumentar o prazo, mas eu não posso. Regras são regras e devem ser cumpridas, por mais que a gente não goste delas.

Caminho lentamente atrás dele no tempo em que vislumbro os ombros decaírem gradativamente enquanto ouço seus pensamentos tumultuados em minha mente, não consigo controlar um sorriso se formando em meu rosto. Ele agarra o envelope fortemente em seus dedos trêmulos, seu coração pulsando descontroladamente. Queria ter um saco de pipoca nesse momento para assistir essa cena que se seguirão. Não que eu goste de ver confusões se formando, eu gosto de ver como as pessoas lidam com a tensão que se forma numa pequena nuvem que vai passo a passo aumentando de intensidade, até que uma hora, ela está enorme se espalhando por todo aposento. Ela sim gosta de assistir com um sorriso enorme estampado em seu rosto.

Observo-a tentar retirar a carta da mão dele e vejo-o respirar fundo e caminhar lentamente para o sofá sentando-se bruscamente nele. Enquanto lágrimas brilham em seus olhos para caírem ela suspira pesadamente deixa a carta cair de sua mão e caminha para a cozinha dobrando-se na beirada da pia tentando recobrar o ar que lhe faltam no pulmão. Observo meu relógio mais uma vez e verifico que não, ainda falta um tempo para eu poder visitá-la. Sorrio de canto voltando meus olhos para ele notando a nuvem pesada em sua cabeça encharca-se de água, porém o mesmo se mantém forte e é isso que eu gosto nele, e eu já sei de quem a garotinha puxou. 

A Garota da Sapatilha AmarelaOnde histórias criam vida. Descubra agora