Festa.

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Certo, eu tenho um rolê. É, exatamente, eu vou sair. Tenho dinheiro, posso ir, vai ter gente conhecida e desconhecida... Até aquela pessoa que eu acho linda e que eu acompanho no Instagram vai! É perfeito! Mas... Ainda falta um tempo, né? Eu posso me acalmar... Vou me distrair, afinal, ainda faltam horas e mal é o começo do final de semana, eu tenho tempo pra me preparar, não preciso me preocupar com nada...

Certo, é daqui a pouco. Já está tudo combinado: com quem eu vou, como vamos, a hora. Tudo certo. Mas... Como eu me visto? Se eu for de novo com a calça preta e o coturno, preciso manter o padrão monocromático. Mas o coturno não dá, a sola tá soltando, preciso mudar de calçado, mas isso afeta a roupa: não dá pra ir todo de preto. E agora? Certo, tenho o All Star, ainda dá pra montar algo confortável e bom com a calça preta. Mas, aqui tá bem frio... E lá? Será que vai estar frio assim? É uma festa, não deve estar, mas e se estiver? Eu levo um casaco pesado ou vou com um quentinho só? Ah, se eu conseguir abraçar aquela pessoa, não vou me preocupar com isso... Mas não tem garantia! Visto uma manga comprida e um casaco leve, tá bom! O frio é psicológico, era o que dizia o Chapolin...

Estamos na festa; eu estou bebendo. É legal achar gente conhecida, conversar, velhos amigos... Alguns só de rolês assim, outros de escola, e até uns do Facebook! É muita gente conhecida. Tão legal, mas.... As pessoas são tão diferentes. Olha como eles parecem existir em diferentes esferas de pensamentos e todas essas coexistem, algumas até interagem, por mais que sempre inatingíveis. Por mais que alguns possuam sentimentos mais evidentes, e outros sejam mais quietos e sutis, todo mundo parece se entender. Conversam, se apresentam, até se beijam! É tudo tão rápido aqui. Não só aqui, em todo lugar, parece ser bem mais complexo nos livros, mas a vida real talvez seja mais fácil. Nem sempre a arte imita a vida, né?

Ah, eu sobrei. Bom, não fico surpreso mais, eu me envolvo nessas dúvidas tão fáceis que deve ser complicado. Coitadas das pessoas a minha volta, eu realmente deveria ter mais noção do que eu falo e penso, devo incomodar mais do que imagino... Mas olha ela! Aquela pessoa que te falei! Ela me viu, e eu olho de volta! Ah, tanta beleza pra uma pessoa só! Deve ser incrível! Será que devo falar com ela? Bom, ela desviou o olhar pra conversar, deve ter me visto de relance e nada demais. Ninguém repara em mim, né? Por que repararia? Espera, será que eu tô sujo? Tem alguma coisa estranha? O chapéu? Droga, sabia que iriam cansar de me ver de chapéu...

O álcool ajuda um pouco, ele afasta uns pensamentos próprios e me permite invadir o espaço de existência de outros, conversar, interagir, perguntar sobre o que eles pensam e agem... Mas não sei, eu geralmente não faço isso, sabe? Acho que o álcool só quer atenção, já que falando de si nunca dá em nada, ele fez meu cérebro falar sobre os outros para ver se de alguma forma eu me torno minimamente interessante nesses grandes grupos de relacionamentos interpessoais! Maldito seja! Quer saber, cérebro? Acabou! Eu vou fumar.

As pessoas perguntam se eu estou bem. Será que elas não captam que... Não? Quem é que, estando bem, senta sozinho no frio pra fumar? É um calor simbólico e que a única vantagem é a nicotina. Eu fico acordado, e observo de novo. Agora com o álcool, acho que consigo ver as coisas melhores, talvez. Vejo olhares, meneios de cabeça, mãos que tocam em certas partes do corpo e sorrisos direcionados... As coisas são bem mais simples quando você pode ver e entender esse tipo de gesto que, ocasionalmente, é mais simbólico que algo natural.

Sabia que dá pra se entender as intenções completas de alguém e seu nível de sinceridade só com uma olhada no rosto de alguém? A forma como o lábio superior se curva junto às bochechas e o nariz; a inclinação das sobrancelhas; o número de rugas que surgem ao estreitar dos olhos; o tom de voz e o quanto a outra pessoa fala... Ah, espera, eu tô pensando muito de novo e me perdendo, provavelmente te incomodando. Desculpa, eu vou ficar na minha...

Ela me olhou de novo! Vou tentar falar alguma coisa! Alguém vai ter que tomar uma atitude e esse alguém pode ser eu! Bom, acho que só pode ser eu... Eu olho de novo pra ela e... Ah, é claro... Ela já tem alguém... eu provavelmente não percebi o tom de indireta em tweets ou até nem notei isso diretamente. Talvez eu estivesse focado demais em só admirar a pessoa que eu devoto todas as qualidades do mundo e não ao seu entorno. Bem, a vida é assim, olhar aquilo que queremos e nos propomos a ver, não é?

E lá vem ela, de mãos dadas ao tal do meu amigo álcool, a que sempre faz parte de todo lugar que eu vou e me acompanha onde quer que eu esteja: a fama de beijar. É estranho, não? Eu sou capaz de beijar com qualquer um, sempre pensando em melhorar e evoluir a cada um, entendendo mais sobre o uso da língua e dos movimentos da boca, de toques e posições de mãos, onde puxar e onde apertar, mas... Me falta tanto pra fazer a mesma coisa com quem eu realmente quero. Claro, não que eu não tenha querido todas as outras vezes. Só, é diferente. Talvez até eu tenha tomado uma atitude e pego essa pessoa, mas foi acompanhado do álcool. E eu admito que existe certa situação em que eu só consegui agir alcoolizado porque me falta uma coragem, um quê de protagonista pra ser sincero e simplesmente admitir que gosto daquela pessoa ao ponto de querer beijar ela.

Ih, a festa acabou e o mundo todo de indagações que eu tinha só aumentaram. Bem, a lista continua. Ou melhor, as listas: as de pessoas que eu admito mas não consigo tentar beijar e a de coisas sobre a vida que eu não entendo.

Como assim é tão simples ficar com alguém? Não exige entendimento? Sobre si ou sobre o outro? Eu adoro beijar e isso em si é algo incrível, e faço isso por mais que desconheça a pessoa por ela demonstrar interesse direto, mas aos indiretos: eu entendo vocês. É muito difícil falar abertamente. Mas eu quero mudar! Eu quero falar! Eu não sou só uma boca muda que você chega, beija e vai! Eu quero conversar, entender, e quem sabe, continuar!

Não entendo tanto de sentimentos quanto entendo disso tudo, mas... Algum dia eu vou entender a mim mesmo e, talvez isso, seja o que falta pra entender todo o resto.

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