Já faziam três meses que estávamos naquela trilha e sentia que ficaríamos mais três meses ali.
Naquela tarde, o sol ascendido sobre nossas cabeças tentava dizer que não foi uma boa ideia sair de casa atrás desse porto seguro, apesar de não haver outra opção. Podíamos ter continuado em Vila Velha, ainda tínhamos chances lá, era melhor do que traçar um caminho sem volta rumo a um lugar desconhecido. Na minha família era eu quem mais gostava mais de viajar. Achava divertido entrar em um carro e ver a estrada passando pela janela, o escurecer, o amanhecer e continuar dentro do carro, longe de casa... O que eu não daria agora para estar em casa. Definitivamente nunca mais sairia para viajar depois disso, mesmo que esse caos um dia se resolva eu estarei muitíssimo satisfeito mergulhado no conforto da minha cama o dia inteiro, pois caminhar dias a fio e passar noites acordado com medo de ser atacado, roubado ou ser levado se torna desesperador, mas deveríamos continuar nessa trilha, mesmo que nos custe mais três meses.
Meus pés já estavam no piloto automático. Em uma mão estava a mala, na qual as rodas batiam contra os trilhos, barulho que já conseguia desconsiderar em minha mente depois de escutá-la tantas vezes. Na outra mão segurava uma mala pelas alças. Nas costas uma mochila menor com condimentos e água, muita água, para conseguir sobreviver no calor. Assim que deixamos Espírito Santo e começamos a entrar em Minas Gerais já havíamos sentido a diferença no clima, e quanto mais atravessávamos a estrada de ferro o calor aumentava.
– PLACA! – Gritou G atrás de mim. Ela era grande e verde, as letras remanescentes em branco quase desbotada indicava a entrada da cidade "S O TOMÉ DO R O DO E". Eu parei por alguns segundos para tentar analisar a escritura e G passou por mim com Vini sentado em seus ombros, dormindo novamente. G, ou Gabriel, é meu irmão do meio. Ele é mais sério do que eu em qualquer situação, talvez seja mal de irmão do meio, sempre carrega uma expressão fechada, e posso contar nos dedos quantas vezes eu o vi sorrir. Deixei–o por conta de vigiar Vinicius, o caçula de três anos, o falso tímido com um miúdo cabelo negro. Enquanto eu ficava por conta das bagagens e vigiar ambos, volta e meia G coloca Vini em suas costas para poupar o garoto de andar, afinal para idade dele não está acostumado a andar tanto.
– Que cidade é essa? – Questionou G e eu coloquei as bagagens no chão procurando no mapa.
– Se eu não estiver enganado, São Tomé do Rio Doce, a décima quarta cidade do mapa, boa notícia, falta mais uma apenas!
– Graças a Deus, minhas pernas querem sair do corpo! – Murmurou – Podíamos fazer uma pausa, não? Procurar uma casa para nos instalarmos por um dia, e uma noite também, porque o Vini também está cansado, é a terceira vez que ele dorme hoje.
Eu me aproximei e pus a mão na cabeçinha de Vini, ele dormia, mas com uma expressão dura, e então ele se mexeu murmurando de dentes cerrados.
– Sim, vamos parar, ele não está bem, já deu água para ele? – Me aproximei com a garrafa d'água mas ele recusou, o cobri um pouco, mas ainda assim ele continuava murmuroso – Vamos logo, precisamos descansar.
A estrada seguia até uma estação ferroviária pintada de vermelho e bege, mas nela não havia algum comércio então seguimos em direção à cidade. Galileia, a cidade da estação de São Tomé do Rio Doce. Era pequena, as ruas eram estreitas e muitas estavam apenas com pedras brutas, outras carregadas de terra vermelha, mas havia muitas árvores nas calçadas e o verde acabava se destacando na cidade. Como esperado a cidade estava deserta, G se apressou e começou a caminhar do meu lado. Ele estava com medo e eu também. Por ser uma cidade menor era como se dentro das casas algo estivesse sempre nos observando, talvez paranoia ou um mal presságio.
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Linha Férrea
Science FictionUm caminho e muitos obstáculos. Eles receberam uma ordem: seguir os trilhos, e no final dele encontrariam um lugar seguro no caos em que o mundo de encontrava, mas não esperavam que caminhar por esses trilhos fosse tão árduo e que sofreriam muitas p...