A primeira coisa que noto quando chego é que o apartamento parece menor. Tudo está exatamente igual ao que me lembro: a poltrona cheia de almofadas, o cobertor atirado no sofá, até o tapete torto no corredor. Vou até a cozinha e a mesa segue com apenas três cadeiras, os ímãs na geladeira estão levemente desordenados, mas seguem os mesmos. Mas é como se tudo tivesse encolhido levemente. Ana pergunta da viagem como se não tivéssemos conversado por telefone todos os dias durante os três meses em que estive fora. Não sei o que devo dizer — não tenho novidades. Ela já sabe de tudo sobre a viagem. Então digo que foi ótima, que estou feliz de estar em casa, só um pouco cansada.
Jorge coloca as malas no meu quarto. Espero poeira e cheiro de mofo quando entro, mas o cheiro é de lavanda. Ana informa que limpou o quarto pra mim. Sorrio e agradeço. Tem uma brisa suave vindo de fora, balançando a cortina. Jorge pergunta se Carol não vem me visitar. Lembro que não contei pra eles que terminamos — que ela terminou comigo. Aí está uma novidade, penso.
"Como foi a viagem?"
"Ah, foi boa, mas sabe como é, minha namorada terminou comigo, disse que a distância fez ela perceber que não me amava de verdade."
Respondo que ainda não conversamos direito, que talvez ela venha mais tarde.
Estou cansada demais pra conversar sobre o fim do meu relacionamento.
Jorge pergunta se preciso de alguma coisa, Ana oferece o bolo de laranja que sabe que eu adoro.
Agradeço, mas respondo que preciso tomar um banho, arrumar as malas.
Ana diz que entende, que eles vão estar no quarto dela se eu precisar.
Fecho a porta.
A maçaneta encaixa na minha mão como sempre encaixou. Fico parada a segurando, esperando para ver se ela vai encolher, mesmo que microscopicamente, não o suficiente para ser visível, mas o suficiente para ser sentido, talvez, mas é claro que ela não encolhe.
Sento na cama, pego meu celular. Não há nenhuma mensagem nova, pelo menos não de Carol.
Abro nossa conversa: a última mensagem foi minha, quatro dias atrás.
"Vc não quer conversar pessoalmente quando eu voltar?"
Ela visualizou e não respondeu. Não insisti.
Largo o celular na cama, abro uma das minhas malas.
A primeira coisa que vejo é um livro, um presente que comprei pra Carol. Quase deixei o livro no hotel antes de voltar, mas enfiei na mala pra que a camareira não pensasse que eu tivesse esquecido e o hotel tentasse entrar em contato comigo sobre isso.
"A senhorita esqueceu um livro no quarto."
"Eu não esqueci, deixei de propósito, era um presente pra minha namorada. Ex namorada."
Trouxe o livro. Jogo ele na lata de lixo, mas ele parece patético ali, um livro de capa dura e folhas douradas. Então o pego de volta, encontro um lugar na estante e o espremo entre duas cópias baratas de romances ainda mais baratos.
Sento na cama.
Ela é desconfortável e me dou conta de que senti falta dela. Ela parece menor também. Ela é menor que a cama que eu usei durante meu tempo fora, mas ainda é uma cama grande, só que parece menor, como se tivesse encolhido de alguma forma, ou mudado. E no fundo eu sei que essa sensação não é pela cama, ou pela maçaneta ou pelo apartamento no geral, mas sim por minha causa, porque eu encolhi ou cresci de alguma forma, estou mais velha, mais triste, e não quero lidar com isso, então estou vendo as mudanças no apartamento. Ou talvez eu só esteja cansada e meus olhos precisem de descanso.
Geralmente esse é o tipo de coisa que eu compartilharia com Carol. Estico minha mão até o celular por impulso, reflexo, então paro, lembro que não existe mais Carol na minha vida, que o espaço que ela ocupava ainda existe, mas ela não mais, aquela sensação fantasma depois que você arranca um dente, que vai sumindo aos poucos enquanto você se acostuma que não tem mais nada ali.
Ainda sinto a presença de Carol na minha vida, nos presentes que ela me deu espalhados pelo quarto, na esperança de que ela vá responder a mensagem de quatro dias atrás.
Então deito na cama.
Encaro o livro na estante.
A estante ainda tem o mesmo tamanho que sempre teve.
O espaço que Carol ocupava em mim também. A diferença é que a estante agora tem um livro novo, e o espaço em mim, que nunca notei ser tão amplo, está vazio.
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Exatamente igual
Short StoryAo voltar de viagem, uma mulher acha que seu apartamento parece menor.