Capítulo 1

2.2K 199 17
                                    

Nell Dornan

Não, outra vez não!

Já não aguento estas discussões...

Eu só queria ter uns pais normais. Não pais, que todos os dias discutem...

Desde que me lembro, que eu só os vejo a discutir. Nunca os vi a trocar um beijos, um abraço, nada.

Para ele era so discussão atrás de discussão. Apesar de ter só 10 anos, eu sei que eles não se amam.

Mamãe me teve aos 18 anos. Eu não sei muito sobre a vida dela. Ela é muito reservada. Ela não é má para mim, ela até é boazinha, mas nunca me conta nada.

Ela chega a casa, me enche de beijos e brinca comigo. Ela me leva a passear, a comer sorvete. Ela é uma boa mãe e eu a amo muito.

Papai já não posso dizer o mesmo. Apesar de ele nunca me ter batido, ele quase não fala comigo. É raro eu estar com ele. Quando estou com ele, ou ele está a dormir no sofá da sala ou está a fumar no jardim. Ele é amoroso comigo, mas é quando está bêbado, que é quase todos os dias.

Gostava de ter uns pais mais amáveis comigo. Eu passo o dia todo na escola. Só quando vovô me vai buscar é que venho para casa mais cedo. Muitas das vezes não está ninguém em casa, mas eu não me importo.

São nesses momentos que eu choro. Choro de raiva. Choro de dor. Choro de tudo.

Já me tentei matar, mas não deu resultado.

Não me julguem. Eu posso ter 10 anos, mas também tenho coração e sofro.

Tentei morrer atropelada. Mas vovô chegou e me disse para não o fazer. Nesse dia foi para o hospital. Fizeram um batalhão de exames, porque pensavam que eu sofria de algum problema de cabeça, mas como é óbvio não descobriram nada.

Meus pais, neste momento estão a discutir, mais uma vez. Pelo que percebi, papai chegou a casa mais uma vez bêbado e mamãe não tolera isso.

- Já chega Jamie! Estou farta que você chegue a casa com esse cheiro horrível! Você acha que isso é saudável para Nell? - ouço mamãe gritar.

Nós moramos numa casa pequena. Meu quarto fica ao lado da sala, então eu consigo ouvir tudo, mesmo que esteja com os ouvidos tapados.

- Nell? Onde você anda? - ele chama por mim, com a voz arrastada.

Eu fecho os olhos e faço mais força nos meus ouvidos, na tentativa de não o ouvir.

Odeio ver papai assim. Ele é um homem tão lindo, mas bêbado ele faz coisas que, quando está sóbrio, era capaz de fazer.

Como por exemplo, dizer que me ama...

Levanto e me deito na cama. Encolho-me toda e meto uma almofada por cima da minha cabeça.

Eu queria ser feliz...

Sinto carinhos no meu rosto. Vou abrindo os olhos e vejo mamãe. Ela sorri, quando me vê acordada.

- Você está bem? - eu assinto.

Ela deposita um beijo na minha testa. Ajeita as cortinas e sai do meu quarto. Fecho os olhos e volto a dormir.

Acordo mais cedo que o normal. Vou até ao banheiro e tomo um duche rápido. Visto o uniforme do colégio e vou para a cozinha para tomar o café.

Pego num iogurte e um pão e me sento na pequena mesa. Quando acabo de comer, pego minha mochila e saio de casa, para ir esperar o ônibus do colégio.

Quando ele chega entro e me sento no meu lugar do costume. No fundo, no lugar mais isolado de todos.

Desde que entrei para a escola que é ali que me sento. Não tenho amigas. Não falo com ninguém na escola. Ninguém gosta de mim.

Eu gostava de desaparecer...

Quando o ônibus para à frente do colégio, descemos e eu vou logo para a minha sala. Fico sentada no meu lugar até o toque tocar e o restante dos alunos entrarem e a professora.

A aula vai passando e eu vou me sentindo sofucada. Começo a transpirar e a minha respiração começa acelerar. Começo a ver tudo a rodar e não me lembro de mais nada.

Começo abrir os olhos, com dificuldade. Vejo a minha professora, com uma cara de preocupação. Olho para o lado e vejo os meus colegas de turma, também com cara de preocupados.

O que se passou?

- Nell, respira com calma! - ouço uma voz a me dizer.

Começo a controlar a minha respiração, que nem sabia que estava tão acelerada.

- Isso. Assim.

Ouço uma movimentação vindo do lado de fora. A porta é aberta e por ela passa dois paramédicos e mamãe.

- Nell, filha! - ela vem a correr ter comigo e se senta ao meu lado.

Eu olho para ela, mas é como se ela não tivesse lá. Ela parece um fantasma. Parece uma alucinação.

A escuridão volta.

Sinto carinhos nas minhas mãos. Não quero abrir os olhos. Eu queria dormir para sempre.

- Filha, desculpa o papai. Eu sou um idiota. Papai promete que não vai mais beber. - ouço a voz do meu pai.

- Não prometa algo, que não vai cumprir. - mamãe também está aqui.

- Não discutam aqui, por favor. - falo com a voz fraquinha.

Vou abrindo os olhos aos poucos. Pisco várias vezes, por causa da claridade. Mamãe está ao meu lado, e quando me vê de olhos abertos sorri e passa a sua mão na minha bochecha.

Olho para o outro lado e papai está com a cabeça no me braço. Estou deitada numa cama.

Esperem, cama?

Olho em volta e vejo que estou num quarto azul com uma bolinhas verdes, amarelas e laranjas.

O braço onde papai tem a cabeça apoiada tem um negócio espetado. Mexo o braço e papai levanta a cabeça. Ele me olha e começa a chorar.

Fico sem entender.

A porta se abre e uma senhora de branco entra. Ela parece um anjo.

- A princesa já acordou? - ela fala com carinho para mim. - Como se sente? - ela para à frente da cama, olhando para mim.

Eu encolho os ombros e fecho os olhos novamente.

- Você tem sede. - eu aceno. - Vou elevar um pouco a cama, para você poder beber um pouquinho, tá bom? - balanço a cabeça.

Sinto a cama a ser levantada, fazendo com que eu fique parcialmente sentada. Ela me entrega um copo com água.

- Beba devagar. Você vai sentir como se ela tivesse vidros e vai arranhar a garganta, mas isso logo passa.

Bebo um pouco da água e quando ela desce pela minha garganta, parece vidros a cortar-me. Faço uma careta e a enfermeira sorri.

Bebo um pouco mais e a mesma sensação volta, mas já não tanto. Estendo o copo para ela, que pega e coloca na mesinha de cabeceira, ao meu lado.

Olho para o meu pai e ele ainda está a chorar. Ainda não entendi o porquê...

- Porque estou aqui? - pergunto, olhando para a senhora de branco.

- Você não se lembra? - eu nego. - Acho melhor os seus pais te explicarem. Se precisar de alguma coisa, toque neste botão. - ela me mostra e sai do quarto.

Olho para os meus pais, que estão agora um ao lado do outro.

- Vocês podem me explicar o que se passou? Sem discutirem! - eles se olham e eu abaixo o olhar.

 

Do Ódio ao Amor (CONCLUÍDA)Onde histórias criam vida. Descubra agora