Eu poderia dizer facilmente que o trabalho estava indo bem, que o relacionamento estava seguro, que tudo estava convenientemente bem. Estava. Foi nesse ponto que tudo começou a desmoronar, eu conseguia sentir. Eu já não controlava nem minhas emoções, quem dirá meu relacionamento. Eu sentia o controle sair pelos dedos que eu tanto espremi.
Sempre pensei que cada pessoa é um sistema, cada pessoa tem seu próprio mecanismo, uma forma de funcionar. Então as pessoas que queremos próximo a nós estão abertas a entender isso, certo? Que funcionamos às vezes ao contrário? Às vezes acelerado?
Acredito que não. A maioria das pessoas não quer lidar com o drama de alguém desajustado, que não leve a vida com leveza, sem rancores. E particularmente odeio esse estilo de vida, sem planos, deixando o universo agir! A vida precisa de controle, de planos, esquemas e categorias. Eu simplesmente preciso me sentir no controle da situação, porque se eu não estiver, tenho certeza que o meu mundo se desintegra.
Eu achava que Lucas entendia o meu jeito de controlar as coisas, é claro que em um ano de namoro tivemos desafios que rondavam nossa relação por sermos completamente diferentes. Eu nunca disse nada do que realmente achava sobre esse estilo heroico diretamente para ele, e exerço muita força de vontade para isso, acredite. Por fora eu consigo ser simpática, doce, amigável. Por dentro, quem liga se ele tem algum amigo precisa de uma carona? Lucas sempre diz como sou forte e como minha personalidade tem uma pitada "dócil" e que isso o fascina, que a forma que eu tenho interesse pelo "outro" o deixa magnetizado.
Sim, ele usa essas palavras. E não, eu não sou assim, apenas me mostro assim. E é por isso que exige de mim muita força de vontade e energia. Não é fácil ser outra pessoa o tempo todo. E essa é uma das razões pelas quais minha vida começou a sair dos trilhos, eu já não conseguia ser o tempo todo a garota amável que Lucas esperava que eu fosse e eu não conseguia mais disfarçar minhas feições de insatisfação, ou meus rompantes de raiva. O seu jeito sociável já me tirava do sério, fazendo meu ciúme ficar a flor da pele.
Já havia se passado algumas semanas desde a visita inesperada que fiz para ele, ao mesmo tempo em que as coisas pareciam bem, eu sabia que era encenação. Eu fingindo ter pleno controle e ele fingindo ser controlado. Fui a vários "happy hour" da empresa dele. Sorrindo, conversando nas rodinhas de amigos, quebrando uns copos sem que ninguém visse que eu estava colocando para fora a raiva que sentia em alguns momentos, e sorrindo de novo como se nada tivesse acontecendo.
Os amigos - a maioria era mulher - do trabalho dele só contribuíam para a avalanche de fúria que crescia dentro de mim. A minha dificuldade de me adaptar nas reuniões que eles faziam após o horário de trabalho, estavam me enlouquecendo, às vezes era difícil pensar com clareza e não conseguia enxergar bem minhas alternativas. Culpo meu senso de realização por isso, às vezes sou radical demais. Lembro de uma sexta-feira, após o expediente, encontrei com Lucas e seus amigos, não consegui esquecer do olhar que uma loira, de mais ou menos 1,70 e com mau gosto para roupas, direcionou para mim. Não era primeira vez que ela fazia isso, então aquele olhar eu reconheci imediatamente.
"Vou pegar seu macho"
Há alguns anos, quando uma situação muito semelhante a essa aconteceu, tenho que dizer que quem estava no caminho não teve um desfecho muito bom. Calma, ninguém morreu. E espero que ela tenha reconhecido o meu olhar de volta.
Interrompi meus pensamentos e nem percebi que dava um sorriso de satisfação quando pensava nisso. Estava do lado de fora do terminal rodoviário esperando Lucas me buscar para voltar para o meu apartamento. Aguardei do lado de fora, quando ele saiu para guardar minha bagagem no porta malas. Havia viajado a trabalho para uma cidade vizinha e ficado dois dias fora e tudo que queria era chegar em casa tomar um banho e relaxar. Eu podia ver que Lucas estava mais pálido que o normal, além de sentir o quanto ele estava tenso, os nós dos seus dedos estavam brancos segurando o volante, mas não disse nada. Eu podia imaginar o porquê, entretanto não podia avançar essa linha naquele momento, teria que esperar ele falar.
Estávamos deitados na minha cama cobertos somente por um lençol. Meu apartamento era uma construção antiga, mas a pintura clara das paredes estava bem conservada desde a última reforma, a luminária da minha escrivaninha, que estava milimetricamente organizada, era toda a iluminação que meu quarto tinha agora, mantinha um vasinho com um cacto como peso de papel e uma caneca que colocava canetas. Tirei meu braço e a perna que estava sob seu corpo, e sentei na cama de costas para ele, com meu cabelo todo solto tampando meus ombros, e já estava tomando impulso para levantar quando escutei ele suspirar e dizer:
- Aconteceu um acidente nesses dias que você ficou fora. – ele disse com uma voz muito cautelosa e desanimada.
- O que aconteceu? – Perguntei me virando para ele. Quase senti pena daquele olhar, mas o sentimento não veio.
- Uma colega de trabalho foi atropelada, e está no hospital. Você a conhece, ela se chama Rita. Lembra-se dela? – Disse e logo em seguida tomou um gole da água que entreguei para ele.
- Hum, são tantas. Como ela é? Como ela está? – Eu sabia exatamente quem ela era. Loira e com cara de que não vale um centavo. Tentei disfarçar o desapontamento por ela não ter morrido e mostrar preocupação.
- Ela está mal, está em coma. – Ele olhou para mim e eu apenas mordi o lábio para tentar conter a risada que estava quase saindo.
Nesse momento, percebi a confusão exalando do seu olhar. Colocou as duas mãos no rosto balançando a cabeça de um lado para o outro e voltou a olhar para mim, já com os olhos vermelhos e marejados. As palavras custaram a sair, mas vieram:
- Você não se arrepende Beatriz? Eu sei o que você fez. Ela conseguiu dizer seu nome antes de passar mal e entrar em coma. E eu entendi tudo.
E foi ai que a risada que estava entalada na minha garganta saiu. Eu subestimei sua burrice e inocência. Ele levantou bruscamente da cama vindo na minha direção, dei alguns passos para trás apenas para aumentar a distância, pois sabia que ele não conseguiria ir muito longe. Ele cambaleou e foi escorregando na parede, olhando para mim e as lágrimas gordas caindo dessa vez.
- O que você fez Beatriz? O que você fez comigo? Porque vo-cê...
Xx
Oi !
Em breve posto a terceira e última parte, espero que estejam gostando! Qualquer erro, sugestão, é só me mandar mensagem! Vocês me encontram aqui, no instagram e principalmente no twitter, estou sempre lá!
Um beijo, Gá.
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Roleta Russa
Historia CortaAté que ponto nós somos responsáveis pelas coisas que acontecem em nossas vidas? São as pessoas que cruzam nosso caminho ou somos nós que deixamos o caminho aberto para elas cruzarem? Em muitas situações na minha vida, apenas um "não" evitaria milha...