Eu me lembro da varanda da minha casa e de como todas as tardes eu gostava de sentar na cadeira que ficava no canto da porta, tomando um bom café, apreciando o balanço das folhas do coqueiro que ficava na casa vizinha.
Era uma sensação boa de paz, um silêncio que em nada incomodava. Sim, havia um ruído bem ao longe que remetia ao som infantil, mas que sendo assim, naquela distância, não me trazia aborrecimento, embora eu tente manter sempre que possível a maior distância de qualquer ser abaixo dos doze anos.
Na verdade, para ser sincera em profundo, eu acho que nunca gostei de gente. De gente alguma. É bom que saibam que eu, hoje, não tenho mais motivos para aparentar quem eu não sou. Hoje, talvez, eu chegue ao fim da minha vida e dizem que no fim da vida nós temos que ser sinceros, pedir perdão e outras coisas que já não me lembro.
Existem muitos atos que cabem uma remissão, muitos erros que apontados por outros, também podem ser impossíveis de serem perdoados. Hoje aqui, sentada nesse chão frio, eu fico a pensar nos meus erros, nos pecados, no que o mundo julga como transgressão ou perversidade e que pra mim pode ser uma coisa simples. Digo isto porque talvez você me julgue mal pelo que vou dizer aqui, mas eu não ligo, até porque não posso voltar atrás, não posso mudar o que já aconteceu e pensando bem, eu não mudaria nada. Não, eu não mudaria nada na minha vida.Antes, a varanda me parecia uma porta de saída para o mundo, ou a entrada para o meu mundo particular, meu lar, meu esconderijo de um mundo que parecia nunca me aceitar bem, e me recriminava em tudo o que eu fazia como se eu fosse alguma criminosa. Eu sempre estudei, me dediquei aos cursos, consegui meu trabalho e nunca fiz nada que pudesse manchar minha dignidade, embora eu até hoje não tenha muita ideia do que significa o termo dignidade.
E de pensar na dignidade, imagino que o dicionário, se hoje pudesse alcançá-lo, me diria que algumas das definições desta palavra seriam ser digno, elevar a minha autoestima e decência, logo, posso dizer que nada que fiz na minha vida pode ser visto de uma forma errônea, então, eu tenho certeza que nunca manchei a minha dignidade. E mesmo hoje, estando presa no lugar que sempre me foi porta para o mundo, estou certa que se estou a caminho do fim, chegarei ao outro lado limpa e imaculada de qualquer erro que a vida possa me acusar.E se...e se eu descobrir que estou errada? E se tudo que fiz até hoje foi contra o que Deus julga ser correto? Não merecerei mais o céu? Na verdade, nem sei ao certo o que deve ser feito para merecer tal prestígio. Bem, acredito que seja realmente de grande estima fazer jus ao paraíso, entretanto, não conheço sequer um testemunho que afirme ser o céu o melhor lugar. Você conhece? Tantas coisas nos são impostas para merecer a glória e tudo, tudo nos é cobrado. Ser um bom filho, ser educado, esforçado, temente, mas nunca, em momento algum vi qualquer um voltar e dizer que conseguiu tal benevolência.
E o inferno então? O que se faz de tão mal para merecer o castigo eterno? Sim, sei que há muitas maldades que podemos cometer e aqui mesmo podemos pagar por elas, mas quem sou eu ou você para dizer o que certo e o que não é? Enquanto o sangue não estanca, enquanto meus olhos não se fecham, pensarei no meu passado, até este momento, que pra mim, é o meu momento de glória. A glória de decidir o melhor para mim, o melhor para a minha vida, o melhor para tudo, para todos.
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A Varanda de Heloísa
Mystery / ThrillerHeloísa , uma moça calma e calada, cresce sendo um exemplo para a família e todos que conviveram a sua volta. O que poucos sabem é que ela carrega muitos segredos tenebrosos que podem mudar totalmente a visão que ela carrega há tempos. Convido a tod...