Assobie

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Na cidade de Varre-Sai se conta sempre a mesma história para os visitantes: Ás três da manhã em ponto, qualquer um que esteja no Rancho dos Tropeiros desaparece, e é encontrado atrás da porta um punhado de ossos quebrados, limpos e perfeitamente brancos.

Crianças e velhos que já passaram por lá ao anoitecer reforçam a lenda descrevendo um menino de pele avermelhada com um colar enorme, orelhas compridas e olhos brilhantes se escondendo em volta do rancho, sempre segundos depois de ouvirem um assobio agudo e longo que parecia vir de dentro da cabeça deles. Esse menino misterioso ajudou a aumentar o medo dos habitantes mais crédulos e mães começaram a proibir os filhos de passar por lá, avós passavam sermões usando o menino como forma de assustar os netos malcriados, a polícia precisou fazer inúmeras investigações na área para se ver livre das multidões zangadas e amedrontadas ofendendo suas famílias, mas isso não impediu o surgimento dos testes de coragem. Nem daqueles prontos para fazê-los.

Se tivesse dinheiro, Paulo teria comprado um daqueles celulares com filmadoras, mas sua mãe nunca o deixaria gastar dinheiro com uma bobagem daquelas só para cumprir um desafio.

Seus amigos, é claro, ficariam do lado de fora do rancho esperando. "Belos amigos. Me colocam pra fazer uma merda dessa e nem tem coragem de fazer eles mesmos."

− Ô! Por que vocês não vêm comigo? Só eu tenho que me ferrar! Vocês é que tiveram essa ideia! – disse pela décima vez.

− Foi você quem quis o desafio! É isso ou comer vinte baratas!

Ele suspirou e seguiu para o casebre abandonado. Paulo ainda se lembrava do gosto de uma barata, entrar e sair daquele lugar com certeza seria muito mais agradável.

A porta abriu com um rangido que lembrava muito um assobio. Até o momento parecia uma casa normal, como as outras fazendas abandonadas onde eles brincavam de esconder. Devagar ele procurou um pedaço de chão iluminado que parecesse mais firme.

A porta fechou de repente. Paulo tentou puxá-la, mas estava emperrada.

"Deve ser um deles... Idiotas."

Ainda havia alguns resquícios de luz vindos de buracos das paredes e das janelas. Os buracos se espalhavam por todo lugar, sempre aos pares, como pequenos olhos curiosos. Olhando de relance, Paulo podia jurar que via sorrisos também.

Em uma fresta maior de luz, ele checou a hora em seu relógio. 3h01. O desafio era ficar lá por vinte minutos.

"Sabia que era mentira. Só me fizeram de trouxa mesmo." Claro que ele estava tentando convencer a si mesmo. Aqueles olhos não piscavam de jeito nenhum, mas os sorrisos apareciam e desapareciam com um deboche irritante.

3h03. O assobio voltou, mas a porta não abriu.

"Deve ser uma porta do andar de cima."

Ele procurou um lugar pra se sentar. Teria que sujar as calças de qualquer jeito, a casa inteira estava cinzenta de poeira.

Pensou em cantar alguma coisa, em ficar olhando o relógio até o tempo passar ou repassar as piadas sujas que ouvira escondido da mãe. Escolheu as piadas. Se parecesse calmo e contasse algumas depois, Luísa poderia achá-lo muito macho e toparia passear pelo rio, apenas os dois.

3h09. Mais um assobio. Dessa vez mais alto.

Os sorrisos estavam mais abertos... Os olhos começaram a piscar...

Era seu coração fazendo esse barulho ou eram passos?

3h11. "Já passou da metade... Já vai acabar..." Ele tentou abrir a porta mais uma vez, agora com mais força e uma gota de desespero.

Ele olhou em volta mais uma vez. Um dos sorrisos não desapareceu. Outro assobio seguido de um grito.

A porta finalmente abriu.

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