16 • Bad Thoughts

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O cheiro de café recém passado invade meu quarto e perfura meu estômago com a força de um martelo.

Já é manhã, eu sei, mas os passarinhos nem começaram a cantar ainda e o céu mal teve tempo de clarear por completo. No entanto, o mais estranho mesmo é imaginar que meu pai, um ogro invicto, teve a iniciativa de acordar cedo para preparar algo.

Por isso, me forço a empurrar as cobertas quentinhas para longe do meu corpo antes de deliberadamente ganhar um choque térmico ao ousar colocar o pé no chão gelado.

Droga, eu sabia que devia ter colocado meias.

Olho ao redor, sentindo meu raciocínio começar a acelerar aos poucos para só então trazer meus sentidos de volta à vida.

Ok, tô em casa.

Eu tô definitivamente em casa. E esse cheiro é, sem sombra de dúvidas, cheiro de comida.

Mas meu pai não sabe cozinhar, o que me leva a pensar na possibilidade de ele ter sido sequestrado e substituído por uma cópia imperfeita, mas claramente mais disposta e produtiva.

Ando com cuidado, ainda meio tonto, meio letárgico, até a cozinha. Minhas pernas formigam um pouco, provavelmente por terem ficado na mesma posição por tempo demais, e um gosto ruim sai do fundo de minha garganta para tomar minha boca por inteiro.

O frio está intenso, meus ouvidos doem e tenho a impressão de que estou prestes a ter uma surpresa. Talvez meu pai realmente tenha se empenhado para aprender novas receitas que não incluam um microondas antigo e potes de ramen.

É improvável, mas é possível, certo?

Quer dizer, deve ser mais provável do que a hipótese de ele ter sido substituído por seu doppelgänger multifuncional.

- Bom dia, querido! Acordou cedo - a voz tão familiar me alcança de repente.

Ah, claro. Sora. Eu deveria saber.

- Bom dia... - respondo enquanto olho ao redor, confuso sobre a quantidade de equipamentos esquisitos espalhados aleatoriamente por minha cozinha. - O que é tudo isso?

Sora desliga o fogo e abre a torneira para lavar as mãos, para só então se virar para mim com seu sorriso assustadoramente grande e animado.

- Hoje é seu dia de sorte! - e diz, radiante como nenhum outro ser humano consegue ser às cinco e meia da manhã.

Coço os olhos, duvidando da verdade em sua afirmação.

Porque, vamos lá, não é desse jeito que se acorda em um dia de sorte. Pelo contrário. Se esse fosse mesmo um dia especial, eu estaria acordando às cinco e meia da tarde.

- Isso é crochê? - pergunto com o cenho franzido, tentando entender qual a necessidade de encapar uma bolinha de gato com um pedaço de pano.

Pera aí...

Gato?

- O Docinho quer conhecer o titio Tae!

Olho para frente a tempo de ver o bicho esmagado desajeitadamente nos braços de Sora, que anda na minha direção com uma expressão que só foi vista antes na cara do diabo.

- Desde quando a senhora tem um gato?

- Desde quando ele apareceu lá em casa, ué - conta distraída enquanto passa seu nariz vez atrás de vez pelos pêlos do bichinho. - Ele não é a coisa mais fofa que você já viu nessa vida?!

O gato, que antes se esfregava carinhosamente na bochecha de Sora, me olha com seus olhos de lince raivoso, e ainda tem a pachorra de me mostrar seus dentes felinos e extremamente afiados numa espécie de ameaça silenciosa.

Rose-Colored Boy ❧ TaekookOnde histórias criam vida. Descubra agora