Capítulo Único

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I - Luccino

Quando escutei Datemi un martello antes de viajar, não imaginava que poucas horas depois eu estaria com mau humor suficiente para martelar o guichê da companhia aérea. Comecei a cantar o tchuru tchurá da música da Rita Pavone enquanto imaginava o assassino do machado entrando no aeroporto para me salvar do desastre. Ao meu lado, vi um coitado que me fazia ter um pouco mais de compreensão com o meu problema. Eu perdi o vôo de conexão para São Paulo por conta de uma falha técnica da companhia, ele por que fora assaltado.

"Senhor, nós não podemos fazer muita coisa, porque a sua passagem foi oferta promocional. Nesses casos não tem como devolver o valor ou trocar por outra passagem."

"Minha senhora, pelo amor de Deus", falei com toda paciência do mundo, suspirando. "Tá de noite, onde a senhora acha que vou dormir? Primeiro que isso é um desrespeito com o consumidor, a gente devia ser ressarcido sim."

"Senhor, segundo a lei..." A funcionária do guichê ao lado disse.

"Eu sei o bastante de leis." Interrompeu o bigodudo a sua atendente, com uma carranca. Olha, eu não queria estar no lugar dela. Pelo que eu observava pela visão periférica, a cara do rapaz não era das melhores. "Sou policial. Agora, dito isso, acho que o aeroporto deveria se preocupar com a segurança dos clientes. Caramba, roubaram minha bagagem de mão na cara dura."

"Eu não quero saber de lei, moça" Falei à moça do meu guichê, mexendo na manga da minha camisa manga longa com impaciência. "Quero uma providência. Quanto mais tempo perco aqui, mais tarde fica. A senhora acha que tenho dinheiro pra ficar em hotel? Foi uma viagem de última hora, não trouxe nem meus cartões."

"Só um momento, senhor", Disseram as moças ao mesmo tempo, para mim e o bigodudo. "Espere nas cadeiras enquanto eu falo com meu superior. Não se preocupe, a companhia não vai desamparar você."

Revirei os olhos, saindo de um salto do guichê diretamente para a fila de cadeiras. O bigodudo veio atrás, mas preferiu ficar em pé, batendo o sapato com impaciência. O barulho começou a me incomodar e para não ser o chato da vez, resolvi colocar o fone e ouvir música. Escolhi a mais longa playlist do meu Spotify e selecionei o modo aleatório. Precisava estar em São Paulo logo, para resolver algumas burocracias do meu restaurante de massas, o Buona fortuna. Para o meu azar, a primeira música que tocou era a que menos eu queria escutar. Imbranato. É que me lembrava do Léo, meu ex. Aliás, um dos motivos pelos quais quase perco o voo. Acabou que perdi mesmo. Resolvi escutar a música até o fim, por que o Tiziano Ferro "nada tem a ver com meu dedo podre".

Comecei a rir das moças do clipe e do sofrimento do Tiziano. Era esquisito assistir o vídeo sabendo que era tudo fachada, já que o Tiziano se revelou gay tempos depois. Essa ideia me fez parar de pensar no Léo e no que ele me fez e chamou minha atenção para o bigodudo, sentado a uma cadeira de distância de mim. Olhei para ele, para ver se havia passado vergonha com minha reação, mas ele nem dava comigo, acho.

Como bom filho de italianos, cantarolei algumas partes da música. É claro que eu pensava estar arrasando na afinação e cantando baixo, mas a cantoria fez com que o homem me notasse e me olhasse com a cara irritada. Tudo que ele menos queria era alguém lhe atazanando os ouvidos.

Mas não precisou se preocupar demais, pois a funcionária veio até nós com a notícia de ouro. O seu rosto alegre parecia estar satisfeito de comunicar um belo favor, quando tudo que a companhia fazia não era muito mais do que a sua obrigação.

"Vocês dois é que tiveram problemas com o voo pra São Paulo?"

Levantamos ao mesmo tempo, espantados, olhando um para a cara do outro por um mísero segundo. Porém, logo nos atentamos ao que a moça tinha a dizer. Ao que parecia, a companhia "lamentava o ocorrido e se oferecia a pagar uma diária para que passem a noite em segurança até que o problema fosse resolvido".

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