Querubim Negro

Prólogo

Gritos de desespero e lamúrias incessantes podiam ser ouvidos a quilômetros de distância. O céu acima da cidade estava enegrecido por conta da fumaça proveniente das casas e construções pegando fogo, uma visão verdadeiramente desesperadora para qualquer um, até para anjos. Quem poderia imaginar que um município tão tranquilo poderia ter próximo a ele uma penitenciária de segurança máxima contendo alguns dos piores criminosos que poderiam se encontrar no mundo? Mais do que isso, quem poderia imaginar que a segurança desse lugar não fosse tão "máxima" assim como diziam?

A rebelião que se iniciou duas horas antes havia devastado tudo em um raio de três quilômetros, era só questão de tempo até toda a região ser tomada pelos milhares de meliantes que, até algumas horas atrás, estavam presos por justas causas. Cada criminoso que fugiu da penitenciária era individualmente perigoso o suficiente para ameaçar dezenas de pessoas de uma vez, agora imagine mais de mil e quinhentos deles, todos soltos e sedentos por violência. Era o verdadeiro Inferno na Terra.

Apesar do ambiente de horror que aquele lugar havia se tornado, uma única alma ali mantinha a calma e observava tudo atentamente, apenas esperando a hora certa de colocar seu plano em prática. Os internos foragidos não eram a maior fonte de potencial perigo das redondezas, afinal, não há nada mais temível do que um anjo, ainda mais um que não se preocupa em sacrificar certas coisas em prol de um "bem maior".

Noriel estava ali desde cedo, apenas observando as pessoas em mais um dia simples. Ele estava sentado no telhado de uma construção de 20 metros, apoiado próximo a uma janela. Ele observava os cidadãos, a maioria estava vivendo normalmente, alguns indo trabalhar, os mais jovens indo brincar, os apaixonados estavam procurando um lugar a sós para poderem se amar a vontade e os devotos procuravam por algo para proclamar seus votos de confiança. Uma cidade tão bela que, em menos de três horas, tornou-se o pior lugar do mundo para se encontrar. Aquilo não surpreendeu, necessariamente, o anjo, só o entristeceu profundamente. Ele buscava apenas um lugar para relaxar e encontrou exatamente o contrário.

Ele demorou para agir pois estava esperando que alguns de seus irmãos aparecessem, algum anjo, arcanjo, querubim ou serafim, mas ninguém com asas chegou para acabar com aquela loucura. Ele já esperava por aquilo, era sempre o que acontecia, não era nenhuma novidade, porém, ele gostaria muito de acreditar que poderia ser uma ocasião diferente do padrão. Só que não era.

Ao perceber que teria que usar seus poderes naquele lugar, ainda que com tantas pessoas precisando de ajuda e gritando por socorro, Noriel se colocou em pé e começou a fazer as suas preces. Não eram para ele, eram para as pessoas inocentes que iriam partir daquele mundo dentro de alguns instantes. Era triste, mas tinha que acontecer, afinal, quanto mais tempo fosse perdido, mais aqueles criminosos estariam próximos de se safar daquela situação. Claramente, depois de destruir toda a cidade em um impulso violento motivado pelos vários anos que eles ficaram presos, acumulando raiva e desgosto pela humanidade, eles iriam avançar para os municípios próximos e causar ainda mais destruição. Não havia tempo a perder.

Noriel deu um salto e parou a cerca de sete quilômetros de distância da cidade. Ele teve que se afastar para evitar qualquer risco à sua pessoa. Não que ele se importasse consigo mesmo, não era o caso, a questão é que ele tinha alguns planos em mente, objetivos que ele ainda estava construindo e pretendia alcançá-los brevemente. Ainda triste em ter que fazer aquilo, ele falou em tom de lamento:

- Humanos, por que vocês insistem em tirar minha paz? Por que me obrigam a tirar suas vidas?

Dito isso, ele levantou a mão esquerda para o alto e deu um estalar de dedos. Um segundo depois, uma enorme explosão ocorreu e a cidade inteira foi tomada por uma onda de energia que a consumiu em um piscar de olhos. Quando menos se poderia esperar, logo após a cortina de fumaça abaixar, pôde ser constatado que toda aquela região se transformou em uma enorme cratera que poderia ser vista de muito longe. Desse modo, uma das cidades mais belas e agradáveis do planeta deixou de existir juntamente de seus habitantes. Milhões de vidas, todas ceifadas prematuramente. Algumas não fariam falta, mas a maioria foi uma enorme perda.

Após derramar algumas lágrimas, Noriel as secou, deu as costas para o local e partiu. Não havia mais motivos para continuar lá, então ele caiu fora. Infelizmente, aquilo nem se comparava com o que estaria pra acontecer no futuro.