Capítulo único

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Dirijo o meu olhar para o espelho preso na parede à minha frente, nele vejo uma pessoa de altura baixa, uma pele pálida como a neve, cabelos de fios negros e lisos penteados perfeitamente, olhos como o escuro céu da noite sem estrelas, junto de um enorme — e como muitos dizem belo — sorriso presente em seus lábios rosados… vejo-me a mim sendo refletido sobre a superfície lisa.
 
"Espelhos são como pedaços de sonhos, imagens extremamente reais e profundamente falsas."

Felizmente o espelho apenas reflete o nosso exterior, uma quase minúscula parte do que “somos”, ou aquilo que apenas queremos aparentar sobre o olhar das outras pessoas, tentar passar a impressão de que somos alguém feliz com a vida, cheia de sonhos e desejos…
 
Todos os dias ao me levantar, a primeira e principal coisa que costumo fazer é colocar-me em frente ao bendito espelho, olhar bem no fundo dos meus olhos vazios e pôr o “mais belo sorriso” que consigo, mesmo que seja falso —  o facto é que as pessoas estão mais preocupadas com o que veem do que com o que os outros sentem, logo nunca ninguém  saberá — mesmo que seja apenas uma máscara ilusória para esconder toda a minha dor e mágoa…nunca verão como realmente estou por debaixo deste disfarce.
 
Sou aquele tipo de pessoa que na frente de todos, se demonstra o mais animado á face da Terra, sempre sorridente, com um enorme nos olhos e uma personalidade de uma criança em perfeita harmonia com a vida, que emite uma magnifica luz apenas com a sua alegria e capacidade de fazer todos em seu redor se sentirem bem.
 
Mas por dentro encontro-me despedaçado no fundo de um poço de escuridão, uma mente cheia de deceções e mentiras, que já não cabem na minha enorme lista, muito menos com as que direi hoje, assim como também o farei amanhã, e por ai adiante, até ao fim de tudo.
 
Desde sempre tenho andando nisto, mentiras atrás de mentiras que saem para esconder a dolorosa verdade sobre tudo o que se passa, o real porquê de eu ser assim, alguém que vive sem viver a vida.
 
Cada sorriso presente no meu rosto é apenas mais um disfarce para as lágrimas que não quero demonstrar, mas se elas existem? Ninguém tem noção de como passo as minhas madrugadas, afogando-me na água salgada que derrama por meus olhos.
 
Cada angústia é descarregada pelo meu corpo em forma de cortes, rabiscos de um artista em sofrimento sobre a tela que o compõe, algo que apenas basta um casaco que ninguém nunca saberá o que existe por debaixo do tecido dessa mesma manga…
 
Cada olhar que lanço, é um pedido de socorro silencioso, calado pelo belo sorriso, que nunca deixa de existir no meu rosto.
 
Toda a minha frieza, é só uma das poucas formas que meu cérebro arranjou para ainda manter algo vivo em meu corpo, o meu coração, que mantem todo o resto do meu corpo “vivo” — mesmo que minha alma já esteja morta há algum tempo — e que ainda torna possível que seja descarregada a enorme angústia em formato de cortes.
 
Cada pensamento, é um desejo de morte, que nunca mais chega para acabar com o meu longo sofrimento. Muitos pensam que por ser sorridente, não tenho uma mente suicida, muito pelo contrário, existem mais demónios em mim, que sorrisos falsos…
 
Mas para meu terrível azar, ou para a minha graciosa sorte, apareceste na minha vida, tens sido o único que vê além do espelho, muito além do exterior. Tu não vês somente as ilusões que são o que mostramos aos outros, és o único capas de ver através da bela e inquebrável máscara, para ti basta olhar em meus profundos olhos negros, que vês a minha destroçada e mutilada alma. És o meu maior problema, e também a minha única salvação.
 
Todos os altos muros que tenho construído em minha volta, protegendo e me isolando de voltar a sofrer, estão desmoronando, mandados abaixo por ti. Por um lado, poderei sair deste inferno chamado de minha mente, que insiste em fingir que tudo está bem, mesmo quando tudo se torna pó. Mas pelo outro lado, com eles abertos estarei novamente sensível a qualquer ataque, não quero que as feridas que demoraram tanto tempo para fecharem se abram de novo. Pois a única maneira de aliviar essa dor “emocional” é recorrendo a uma dor física que me destrói ainda mais. Uma dor para distrair da outra…
 
Um ciclo que sempre se repete, um vicio nunca parado, sempre que me magoam, as laminas parecem gritar em minha mente, controlando meu corpo e obrigando-me pegá-las, fazendo-me querer vê-las percorrer os meus braços brancos deixando um rasto do liquido escarlate, aliviando tudo de mau, deixando que escorra junto de meu sangue por meus pulsos.
 
Essa sensação é boa, muito boa para disfarçar uma dor, uma serie de movimentos efémeros que preenchem uma lacuna temporária, no entanto pouco a pouco acabam comigo, com meu corpo…
 
Morri por dentro e nunca ninguém percebeu, ate tu chegares, mas continuo a andar pela face da Terra até meu corpo perceber de que minha alma e minha mente se foram — elas estão contigo, se recuperando, renovando e acima de tudo sendo amadas — e o que apenas resta de mim é a “minha” carcaça — até que esteja totalmente curado — que era apenas uma maneira de esconder a minha agoniante morte interior.

Espelho - Oneshot Mitw Onde histórias criam vida. Descubra agora