blind dancer [bwoo/taeso]

17;; engrenagens ;;17

deviam ser cinco horas da manhã quando o som do despertador exagerado ressoou pela causa, fazendo com que jiwoo quase caísse da cama, taehyung e somin se separassem em um pulo, enquanto spooky latia incessantemente.

em passo curtos, arrastados e preguiçosos somin se levantou para desligar o aparelho que ainda não tinha parado de tocar a trilha sonora de "rei leão". com uma força maior que a necessária, ela deixou uma mão cair sobre o topo do despertador, fazendo com que o barulho finalmente cessasse. dentro da casa, o cachorro havia parado de latir e bocejos altos atravessavam as paredes.

lançando um último olhar para a cama de lençóis bagunçados e aparência aconchegante, ela se dirigiu para o banheiro, onde seu namorado já estava escovando os dentes, com o cabelo espetando para todos os lados e os olhos fechados de cansaço.

—que horas você chegou ontem, tae?— somin perguntou após pegar a escova no armário que dividiam, se virando para olhar para o menino.

—eu não sei, mas já estava tarde. talvez depois da meia-noite? meus amigos não queriam ir embora, e quando finalmente decidiram ir, dois deles estavam tão bêbados que tivemos que carregá-los.— com um sorriso fraco ele respondeu, retribuindo o olhar curioso de somin.— não se preocupe, eu quase não bebi, então não estou de ressaca. posso dirigir pelo menos metade do caminho.

naquele dia, tinham acordado especialmente cedo para fazer uma viagem até a cidade natal dos amigos. seria o aniversário de casamento dos pais de jiwoo e a menina se sentia no dever de visita-los novamente; então somin e taehyung aproveitariam a oportunidade para reverem suas respectivas famílias. além disso, sabiam que não era certo deixar a mais nova viajar sozinha.

jiwoo, como se tivesse sentido que estavam pensando nela, apareceu no batente da porta, ainda mais descabelada que taehyung. somin sorriu e estendeu o braço para a ajudar a menina a não trombar em nada no banheiro lotado, pois além dos três, spooky também tinha se enfiado ali dentro.

—bom dia, flor do dia. dormiu bem?— taehyung perguntou com um sorriso presunçoso, vendo a quase-zumbi procurar sua escova lentamente no armário. a menina nem se deu ao trabalho de falar, se contentando a assentir brevemente e escovar os dentes.

—por que temos que ir de carro? poderíamos ir de trem, chegaríamos mais rápido e poderíamos acordar daqui a duas horas.— ela esfregou os olhos com a mão livre e se apoiou em somin ainda mais, fazendo com que a outra tivesse que se espremer contra a parede.

—porque não temos onde deixar o spooky e será divertido, zumbizinha! para de ser emburrada e desencosta de mim!— somin exclamou enquanto tirava a menina de cima dela. taehyung terminou de escovar os dentes e saiu para passear com spooky, que estava sentado perto da porta o olhando com olhos pidões.

dentro de meia hora, todos já estavam arrumados e  preparando as coisa para finalmente iniciarem a viagem. enquanto somin e taehyung levavam para o elevador as malas (as quais estavam tão cheias que davam a entender que iriam passar um mês fora de casa), jiwoo se sentou na frente da porta e esperou. era em momentos como esse que ela se sentia um peso morto— não podia ajudar e se tentasse, acabaria atrapalhando mais do que qualquer outra coisa. não era como se os outros falassem isso para ela, ou fizessem com que ela se sentisse assim, mas ela sabia que era um fato.

de um jeito ou de outro, jiwoo se levantou e chamou spooky, que foi correndo até a dona. com o cachorro guiando-a, ambos chegaram até o elevador onde seus amigos a esperavam. um silêncio agradável pairava aquele cubículo prateado, mas jiwoo não conseguia afastar de si mesma aquele sentimento de inutilidade; por isso se manteve cabisbaixa e quieta durante um bom tempo.

já no carro, com a cabeça encostada no vidro e spooky deitado em seu colo, ela começou a pensar. era estranho como ao apoiar na cabeça no vidro ela podia sentir o carro balançando levemente, e só— mas na verdade diversas engrenagens estavam girando, gasolina estava sendo consumida e o carro se afastando cada vez mais de onde ele tinha dado partida, além de tudo isso, havia ainda o impacto das rodas com o solo, mexendo em pequenas pedrinhas e sujeiras.

era como uma pessoa— por fora ela poderia parecer tranquila, sem nenhuma preocupação, enquanto na verdade mil pensamentos rondavam sua cabeça a uma velocidade maior do que a dos carros que passavam disparados na autoestrada. era assim que jiwoo se sentia naquele momento— tudo parecia estar certo quando na verdade mil coisas rondavam sua mente.

matthew gosta dela e ela gostava dele, isso era bom— era reciprocidade, mas era só isso. ela não se sentia suficiente para o menino. ele sabia como ela era, conhecia cada pedacinho de sua aparência, enquanto ela só tinha uma vaga ideia de como ele poderia ser.

eles iriam namorar? teriam tempo para finalizar a coreografia a tempo da competição? ela conseguiria equilibrar a escola com a dança? conseguiria terminar as provas finais com sucesso? se sim, qual faculdade faria? na verdade, ela faria alguma faculdade? acharia algum lugar que tivesse cursos para pessoas com necessidades especiais? continuaria a morar com os amigos? teria que procurar um apartamento novo? ela saberia cuidar de si mesma sozinha?

ela não sabia, e tudo aquilo era um pouco demais. todo esse emaranhado de pensamentos e perguntas deixou sua cabeça rodando (bem, talvez fosse enjoo devido ao movimento do carro), com o tempo ela foi vencida pelo cansaço. deixou suas pálpebras caírem e o corpo relaxar.

algumas horas depois, ela acordou com somin balançando-a pelo ombro. cuidadosamente estendeu os braços e sentiu o corpo estalar, os músculos alongarem-se e os olhos inutilmente abrirem. assim que fez isso se arrependeu— o dia tinha clareado muito mais do que esperava.

—aí, luz demais.— murmurou para ninguém em específico. tateou até encontrar sua mochila, que em algum momento da viagem caiu no chão.

saindo do carro foi atingida pelo frescor que se lembrava— o cheio de grama e a brisa leviana que nunca cessava. talvez as coisas não tenham mudado tanto quando ela imaginou; aquele lugar continuava sendo como o lar de que se lembrava.