Capítulo 1

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Entre um ou outro pensamento que tinha, sempre acabava por me pegar tentando responder a uma mesma pergunta: "Por que diabos existimos?" Não é difícil entender por que Albert Einstein, Luther King ou até mesmo Elvis Presley existiram. Eles mudaram o mundo de verdade. Cada um do seu jeito fez a diferença. Seja com teorias mirabolantes que mudaram o rumo da ciência, discursos de paz que ajudaram a tornar a vida da população negra menos complicada ou músicas incríveis que permanecem mesmo com o passar de gerações. E, apesar desses feitos, essas pessoas ainda foram insignificantes organismos vivos em uma bola flutuante dentre milhares de outras. E, de algum modo, quando os seres humanos causarem sua própria extinção, eles serão esquecidos. E então, voltamos para a minha pergunta que segue sem resposta.

Acabei por chegar até a conclusão de que não há necessariamente um porquê e, se há, não serei eu a encontrar. Mas mesmo assim eu era arrebatada por esse pensamento vez por outra. E agora, olhando por outra perspectiva, acredito que me fazer essa pergunta era apenas uma tentativa de encontrar um rumo para que eu pudesse seguir, já que eu estava cansada de viver perdida como de costume.

Em meus 16 anos, tudo em que eu podia pensar era em passar na droga de um vestibular, entrar na faculdade de fotografia e não cometer suicídio até lá. Ser eu era cansativo, acordava em cima da hora, colocava meu uniforme correndo, vestia meu moletom, calçava meu all star de cano médio e saia de casa ás pressas. Vez por outra nem dava tempo de falar com meus pais. Eu sempre passava em um café perto de casa para comprar um bolinho em que eu era viciada. Inclusive devia ter processado alguém do Wattpad, já que sempre ia de coque frouxo e com a primeira roupa que achava, e nunca um ídolo meu chegou lá e se apaixonou por mim. Saindo do café, eu ia para o ponto de ônibus e lá eu pegava o 413 que me deixava na porta do Colégio Padre Miguel(meu inferninho de todo dia).

Apesar de ser considerada simpática e ter bastantes colegas, eu não costumava sair muito. Não era algo que eu gostava tanto. Então até meados desse ano de 2019, minha vida era da escola para casa e vice-versa.

Em casa eu vivia apenas com meus pais. Minha mãe é uma vendedora de roupas no shopping lá perto. Ela é muito carismática, mas quando abre a boca para reclamar meus ouvidos quase sangram. Ela consegue ser insuportável. Eu a amo, mas nós somos bem distantes uma da outra. Não costumamos conversar ou sair juntas. Ela quase nunca está em casa, e, quando está, ela fala pelos cotovelos sobre como sou inútil e sem futuro, e como vou acabar do mesmo jeito que o meu irmão se eu não mudar. A minha mãe teve uma infância péssima, não pôde se dedicar aos estudos por ter de trabalhar e foi abusada emocionalmente por todos os seus maridos. O seu filho mais velho, o meu irmão a quem ela se refere nas reclamações a meu respeito, acabou se tornando um viciado em drogas que teve uma overdose 4 anos atrás e segue com seus vícios sabe-se lá onde. Não temos notícias dele desde que foi liberado do hospital. Esse tipo de coisa me faz olhar minha mãe com carinho e tentar não levar para o coração as coisas cruéis que me diz, mas ás vezes é inevitável.

Meu pai era militar do exército, mas armaram contra ele por que ele não queria acobertar um esquema de roubo de armas. Ele foi expulso da corporação e ameaçado de morte. Desde então ele vive bebendo e chegou a agredir minha mãe uma vez. Ela não consegue deixa-lo, parece se apegar a quem ele era antes dessas coisas acontecerem. Ele era realmente bom. Meu contato com ele, então, passou a se resumir a um "boa noite, pai!" sempre que eu ia dormir. Todos os dias ele estava lá, no sofá, bebendo e assistindo UFC. As únicas palavras que ouço dele, quando não em brigas com a minha mãe, são: "Deus te abençoe, filha". E eu tento sentir essas palavras como se fossem um abraço ou um "eu te amo". Ele não sabe a falta que senti de quem ele era.

Já na escola, eu não era a mais popular, mas também não era aquele esteriótipo de "nerd sofredora". As pessoas me deixavam em paz e me cumprimentavam ao me ver, mas ainda assim eu odiava aquele lugar. As pessoas se abraçavam e em seguida estavam falando mal uma da outra. Era perturbador. As salas de aula eram frias e as panelinhas se formavam em cada extremidade sua. Em um canto haviam os "gamers", do outro as "Armys", Mais ao centro ficavam as populares e os gays afeminados, no fundo os meninos do futebol e o que passava cola pra eles, e havia o grupo dos que não faziam parte desses grupinhos. Nem nele eu estava. Cada dia eu me sentava em um lugar diferente, evitava conversar com as pessoas e era particularmente desaminamada. Isso provavelmente se devia a uma baixa produção de serotonina no meu cérebro, também conhecida como "vontade de aparecer", "falta de surra", "falta de Deus" ou depressão. Não me importava como chamavam, só que eu tinha que tomar uns remédios horríveis e lidar com sensações desesperadoras o tempo todo.

Em 2019, eu estava cursando o 2° ano do ensino médio. Nada ali era novo e pensei que nada de novo viria a acontecer. Estava completamente enganada.

Era o sexto mês daquele ano, o 413 pegou mais gente que o normal e andou mais devagar também. Cheguei na hora limite antes de levar uma anotação, fui apressada em direção ao meu lugar e meu coração batia forte. Correr ás 6:30 da manhã era demais para alguém sedentário como eu. As pessoas na sala falavam alto e suas vozes se fundiam de forma perturbadora. Então uma voz masculina e alta intercedeu naquele alvoroço:

- Capítulo 10, página 19. Fechem as bocas e abram os livros! Bom dia Rapazes e moças! A filosofia nos espera.

Era meu professor Carlos, é bem animado e prestativo, sempre nos ajuda em tudo aquilo que pode. Ele tem TOC, então costuma fazer certas coisas estranhas. Sempre que chegamos o quadro está limpo, mas ele pega uma flanela azul com álcool e passa em todo o quadro. Ele é preso a estes rituais, deve ser desesperador não poder simplesmente deixa-los.

Abri o livro, peguei um lápis e comecei a desenhar uma flor. Não era algo tão bonito nem nada, era só uma forma de sair do tédio. Quando quase acabava a minha flor ele terminou de passar a flanela no quadro.

- Como já vimos, para Parmênides existe o Ser e o Não...

Ele foi interrompido por três delicadas batidas na porta. Quando ele a abriu eu erguia cabeça para olhar.

- Perdão, professor. Eu peguei o ônibus errado. Sou nova por aqui.

-Tudo bem, moça. Qual o seu nome?

- Lara. Prazer.

- O prazer é todo meu, me chamo Carlos. Fique à vontade.

Ele ia dizer que existe o Ser e o Não Ser. Parmênides foi um grego que dividiu universo assim, nesses dois grupos. O Ser é aquilo que existe e o Não Ser é aquilo que não existe. Naqueles poucos segundos, eu só consegui dividir o universo em dois grupos: o que era a Lara e o que não era a Lara. Fitei aquele ser que tinha a capacidade de sorrir em plenas 6:50 da manhã. Até que ela veio em minha direção e se sentou ao meu lado. Percebi que estava olhando demais e parei.

- Prazer, meu nome é Lara. Qual o seu?

Ela me estendeu a mão enquanto sorria.

Eu estendi a mão de volta com um pouco de vergonha.

-Gabriela.

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⏰ Last updated: Aug 05, 2019 ⏰

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