Capítulo 1 - Parte 2

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Chegaram quando ainda estavam longe do crepúsculo, de modo que os homens mais velho tomaram a iniciativa de montar um acampamento rudimentar. Coube ao restante a assistência e auxílio. A abandonada guarita se mostrou um pouco maior do que imaginaram e isso os tranquilizara quanto a passar a noite ali. Estenderam capas de couro contra os ventos nortenhos, que cortava como linha de aço e vinha de todas as direções, e lá desmontaram os cavalos dos pesos.

Um pouco afastado do grupo, dois homens conversavam. Enquanto separavam madeiras secas e resistentes, um deles lamentou:

- Ah se o poder do fogo não fosse tirado de nós... - era um homem de barbas trançadas e sobrancelhas fartas, o que lhe dava, com a voz cansada, um ar envelhecido.

- Lamentar não vai adiantar muito - Sir Niridas respondeu-o. Em suas mãos iam galhos secos, polidos a grosso modo. - Ainda mais para homens velhos como a gente, Urfel.

O homem meneiou a cabeça. Não deixou claro se era cansaço ou desapontamento. Sir Niridas ergueu o braço sobre suas costas e banlançou-o:

- Ânimo, meu camarada. Você sabe que isso foi para nosso bem. - disse, mas não havia firmeza em suas palavras. Apressou-se em continuar e desviar o tom duvidoso de sua fala - Sem fogo, sem destruição. Sem destruição, há vida!

- É... fazer o quê.

- Se acostumar, camarada. - deu-lhe alguns tapas nas costas. - E não falo isso como reprimenda. Simplesmente foi a forma que encontrei.

- Somos velhos demais para nos acostumar com uma vida diferente da que crescemos. - suspirou Urfel.

Embora houvesse uma diferença de idade de dez anos entre eles, conversavam de igual. Outrora Cavaleiros de Honra, tinham adquirido por anos um prestígio sem precedentes. Eram bravos e corajosos, não desviando dos caminhos da cavalaria por toda sua vida adulta. Encontraram motivos considerados elevados ao marcharem para a Grande Guerra. Ao retornar e se depararem com aldeias vazias, sem esposa nem filhos, não encontraram mais motivos. Restou-lhes um ofício quase em extinção. Ressurgiram, então, como Capitães da Neve, tratando de jovens adultos da cidadela.

- Me acostumar com uma vida diferente da que crescemos... isso eu já esperava. - respondeu Niridas enquanto coletavam e caminhavam isolados - Não acreditava que fosse envelhecer guerreiro. Embora eu não desejasse a velhice. Que fosse entregue às nuvens antes, assim como meu pai fora e seu pai antes dele. Tampouco, não esperava que vivesse uma simplória, mas justa, atividade como essa. Então, estamos velhos demais para nos acostumar a uma vida diferente da qual esperavamos. - ele virou para além das florestas - Há piores que nós.

- Você se lembra daquele dia no bosque, quando aqueles anciões nos deram alimentos para seguirmos viagem?

- Se for começar com lamúrias de um passado há muito vivido, sugiro trocar de assunto.

- Considere como um exercício para manter a mente afiada.

Sorrindo silenciosamente da insistência, pôs-se a pensar. Ele não gostava de revirar o passado. Era esforço em vão. Acostumado e resignado. Era assim que gostaria de passar seus dias.

Haviam percorrido tantas terras quanto estrelas no céu. Haviam, também, visto muitas coisas, belas e mórbidas, quentes e frias, secas e molhadas. Havia aquelas cuja maravilha os faziam, ainda hoje, congelar por instantes e relembrá-las com calma. Mas aquela imagem demorou para aparecer e Niridas acreditou sê-la mais importante ao amigo que para ele. De certo modo a imagem de um casal de idosos num bosque invocava mistério e repulsa.

- Eu queria viver daquele jeito. Terminar de viver, seria o mais correto. Ali, em um lugar senhor de si mesmo - continuou Ulder

- Agora acho que talvez me lembre. Você ficou falando por dias sobre aquilo. Se não tivesse mais de dois metros e comesse feito urso, eles até o adotariam como filho. Sempre achei engraçado um cavaleiro que queria ser senhor de pequenas terras ao invés de castelos.

Guerras do Gelo - Sonhos de dragãoOnde histórias criam vida. Descubra agora