Julho, 10

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Julho, dia 10

Hoje foi um dia atarefado para mim. De manhã saí para ir a casa da avó Nana, para a ajudar a mudar umas lâmpadas e a instalar o novo router da Internet. Acho fantástico o facto de a mãe da Martha, apesar da sua idade, ser uma senhora muito dada a tecnologias e com um relativo jeito para mexer nas "modernices digitais". Muitas pessoas da sua idade, e talvez até mais novas, não se conseguem conformar com o desuso das coisas analógicas, quanto mais compreender o funcionamento ou a utilidade dos instrumentos digitais.

Depois de ficar tudo explicado e instaldo, saí de casa da avó Nana e passei no supermercado antes de voltar para casa, para comprar aquilo que a Martha me tinha pedido. Só tinham uma caixa em funcionamento e a moça que lá estava demorava tanto tempo que estive quase para me vir embora de mãos a abanar. Quando cheguei à paragem de autocarro, encontrei um antigo colega de liceu ao qual era muito chegado. Já não nos víamos desde que acabámos o secundário, por isso aproveitámos e fomos almoçar para por a conversa em dia. Por fim, tive uma hora de estudo, da qual apenas meia hora foi produtiva, antes de ir ter com o John e a Martha à porta da Academia.

Devo dizer que o vosso espetáculo estava muito bom, especialmente tendo em conta que todos os bailarinos estão ou estiveram a estudar na Academia.

Nunca me disseste que o Max dançava tão bem. Quer dizer, algum talento ele haveria de ter, ou não estaria na Academia. Eles não deixam entrar qualquer um. Mas fiquei deveras espantado. Não estava nada à espera que ele transmitisse tanto sentimento e tivesse tanta destreza de movimentos.

E tu dançaste muito bem, apesar de teres tido um papel pequeno, misturada num enorme grupo de raparigas que preenchiam o cenário do palco, atrás dos finalistas que tinham todos os papéis principais.

Por teres um papel de figurante, não dançaste tanto quanto esperavas, mas foste profissional o suficiente para colocar de lado, ou pelo menos esconder, a tua indignação e a tua frustração e dançar no papel que te deram com um sorriso. Talvez fosse forçado, mas mesmo assim era um sorriso. Para um olhar menos experiente, não havia nada a destoar: os teus passos estavam em completa sincronia com as tuas colegas, fazendo que se parecessem como uma onda, mexendo-se com se de uma só entidade se tratasse; os figurinos principais e secundários complementavam-se e a vossa interpretação da música era tão boa que quase levou inúmeras pessoas da audiência às lágrimas.

Saber que poderás atingir um nível de técnica e de expressão como os alunos que terminaram agora a sua formação na Academia e que se encontram aptos para entrar em companhias de bailado ou dar aulas de dança deixa-me muito feliz. Significa que, independentemente do teu talento, terás um futuro garantido. Poderás trabalhar para ganhar o teu sustento, ter a tua própria casa e, quem sabe, a tua própria família. Talvez esse futuro não seja tão espetacular ou grandioso como estarias à espera, mas será um futuro.

Isto partindo do princípio que a tua condição não se agrava até lá.

Pessimismos à parte, espero que estejas a pensar em fazer as malas. Depois do meu último exame, dentro de alguns dias, a Martha e o John metem férias no trabalho e partimos para o outro lado do país, para o casamento do Oscar e da Amber.

Estou tão ansioso que mal posso esperar. Primeiro, porque estou tão cansado do ano letivo e tão farto das aulas que qualquer pedaçinho de férias, seja onde for, é bem vindo. Segundo, porque já não tenho paciência para ficar o dia todo dentro de um guiché a vender bilhetes. Já tinha ouvido dizer que trabalhar no atendimento ao público era complicado, mas uma pessoa nunca compreende realmente até passar por isso. Às vezes aparece-me com cada um à frente... É preciso muito autocontrolo para não deixar as palavras que me ficam entalada na garganta saírem disparadas pela boca sem controlo. Mas às vezes apetece-me dizer o que tenho a dizer e virar costas às pessoas, sem me preocupar em ser indelicado e perder o emprego. Cada vez mais penso que devo procurar outro sítio para trabalhar.

Terceiro, porque não me lembro da última vez que estendi a toalha na areia da praia e me levantei apenas para me refrescar no mar. Aliás, há imenso tempo que já não vejo o mar. Por fim, porque nunca assisti a um casamento. Mas dizem que se come bem e muito, pelo que não pode ser tão mau quanto isso.

Por esta altura a Amber deve estar grávida de cinco ou seis meses. Não tenho bem a certeza se eles continuarão a ser nosso vizinhos quando o bebé, que eu ainda não sei se é menino ou menina, nascer. Mas penso que sim. Verdade seja dita, estou a rezar para que eles não se mudem. Odeio a maior parte dos nossos vizinhos, como já deves ter reparado. Ou têm um feitio insuportável, ou são mal educados sem necessidade ou justificação alguma, ou são uns porcos de primeira ou saem de casa tão poucas vezes que seria incapaz de os reconhecer se me cruzasse com eles na rua.

Mas com este casal eu simpatizo, e muito. É até divertido quando o Oscar foge da Amber e vem para nossa casa com batatas fritas e cervejas para ver os jogos em ambiente masculino. E as passagens de ano com karaoke não seriam as mesmas sem um mítico dueto entre a Amber e a Martha.

Por isso, detestava que vendessem a casa a quem quer que seja.

Não sei como é que vai ser a viagem até . A Martha e o John não me disseram nada. Querem que seja tanto uma surpresa como uma aventura para nós dois. Nem desconfio se vamos de avião, comboio, carro ou autocarro. Nunca andei de avião, tanto quanto sei. Mas, neste momento, acho que tenho mais curiosidade em andar de comboio, especialmente se for de noite. Um amigo meu da faculdade andou num comboio noturno no estrangeiro nas suas últimas férias e diz que adorou os vagões-cama. Acho que seria divertido para nós quatro.

Mas não sou esquisito. Desde que lá chegemos são e salvos e a tempo da cerimónia, por mim tudo bem.

Agora tenho que ir. A casa está vazia, o que é perfeito para umas horas de estudo produtivas, sem tentações ou distrações.

Nunca te esqueças que te amo e que te amarei sempre, aconteça o que acontecer.

Com Amor,
Sammy

Guarda a última dança para mim ✔Onde histórias criam vida. Descubra agora