6° Capítulo

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A conversa é mais do que agradável. É também reconfortante. É claro, e pelo que percebi até agora, que quando se trata de jantar, André Almeida está sempre com os pais ou os avós. Porém, hoje foi diferente. Ele quis ficar por casa e acabámos por aquecer alguns restos que ele tinha do frigorífico.

Para mim é tudo surreal. Inacreditável. Desde quando é que eu poderia estar na casa de um jogador, ainda para mais do André, a aquecer comida? Não sei. Tudo me parece tirado de um filme. Mas não. Está a acontecer.

Trouxe a comida em dois pratos. Esparguete com carne sem molhos e o mais saudável possível. Afinal de contas, não me posso esquecer que estou a jantar com um atleta de alta competição.
- Se calhar estavas à espera de um banquete, mas sabes como é: temos de ter cuidado com a alimentação.
Bem, se calhar isto também faz parte do trabalho. Tenho de descontrair. Faz todo o sentido que isto aconteça, não sei porque sinto este friozinho a barriga. Quer dizer... eu sei porque o sinto. É o André.
Bebo um pouco da minha água.
- Se vamos ser sinceros eu não estava à espera de nada.
Sorrio e noto a confusão na sua cara.
- Achas que não janto?
Solto uma gargalhada e logo ele me acompanha.
- É claro que não é isso. Eu é que não estou habituada a jantar com homens do futebol.
- ah... Esta é uma primeira vez? - ele diz com um ar matreiro.
Oh Deus.
- É... É... - digo sem lhe responder à letra - Mas é sempre interessante. Mais uma boa informação para o livro, principalmente a parte em que é a tua mamã a fazer-te a comidinha. Gosto.
André pousa os talheres.
- Só para que fiques a saber: eu até gosto da cozinha. Principalmente, quando vou lá buscar a comida feita.
Voltamos a rir. É impossível não fazê-lo. Quando me acalmo, bebo mais um pouco de água.
- Agora a sério, nunca cozinhaste? Nem sequer fritaste um ovo?
- Ei! Espera. Eu não disse que sabia fazê-lo, eu só disse que não o fazia.
- o quê?! Viste bem o que acabaste de dizer?! Era capaz de apostar que não sabes fritar um ovo!! - Agora perco-me com o riso - isso sim era um óptimo título! André, o homem que não sabe fritar ovos!
Noto agora como o seu semblante mudou. Parou do bem disposto para um bem disposto desafiador.
- O que apostas? - pergunta ele a sorrir.
- Eu posso apostar o que quiser! - digo cheio de confiança, acredito piamente que ele não sabe nada de cozinha - deixa-me ver... uma grade de minis!
- O quê?
Aceno - Sim! Uma grade de minis!
- Tu gostas de cerveja?
- Adoro! Mais de Cerveja de garrafa do que imperial.
André dá um pequeno jeito à cabeça. Parece de aprovação, não sei bem. Mas também é melhor não ir por aí. Tenho de estar com ele e de me proteger ao mesmo tempo.
Estendo a minha mão para que possamos selar a aposta. Ele aperta-a ainda que meio ingenuamente. Mas o seu toque faz sempre com que fique mais corada e, agora, não foi diferente.
Os seus olhos têm algo que me cativa e, por vezes, esqueço-me de que não posso estar a olhar permanentemente para ele como está a acontecer agora.
- Prepara-te para perder.
Acordo e agora sim, percebo que ele também está confiante.
- Espera, não apostamos nada caso ganhasses.
- Aceito a grade de minis - Ele levanta-se ainda a custo.
- André? Espera. Fica para outro dia. É suposto estares parado - olho para a sua perna.
- Nem pensar! Eu nunca perco uma aposta.
Maneio a cabeça, e vou atrás dele.
- olha que não te vou ajudar - aviso-o.
- eu não preciso: ele atreve-se a piscar o olho. Ok. Realmente, ele está confiante.
Encosto-me à sua bancada de cozinha, cruzo os braços e observo-o serenamente.
- eu não costumo beber cerveja, só no final da época. - ele pega na frigideira e coloca um pouco de óleo- Mas tenho espaço no frigorífico para guardar as minis. Servem para a malta quando vem cá a casa. - ele põe a frigideira ao lume e vai até ao frigorífico - costumas pôr sal e pimenta? - ele pergunta-me.
Estou serenamente a acompanhar os seus movimentos. Se calhar deveria ter pensado melhor nisto. Mas estou a adorar vê-lo na cozinha.
- Ah, não. Só um pouco de sal, nada mais.
Ele acena e parte o ovo e coloca-o na frigideira.
- Assim seja.
Eu aceno e vejo como ele se concentra na sua tarefa.

Passados uns minutos o ovo está frito. André pega num prato e cuidadosamente, retira o ovo para o mesmo. Ele desliga o fogão e encosta-se na mesa a olhar pra mim.
- Tens de provar.
Riu e faço-lhe a vontade. Pego num garfo e no prato. Provo o ovo e maneio a cabeça.
A face do André muda. Talvez ele pense que esteja terrível.
Coloco o prato na bancada e olho para ele.
- Não sabia que gostavas assim tanto de cerveja. Tenho a certeza de isto foi um golpe de sorte - André sorri e cruza os braços à espera de que eu diga aquilo que ele quer ouvir. Ele às vezes é tão transparente - está óptimo André. Acabaste de ganhar uma grade de minis.
Ele coloca os braços no ar.
- Eu sou o maior!
Sorrio com a sua expressão.
- Agora é melhor sentares-te e tomares algo para as dores. Eu deixo aqui a cozinha arrumada.
- olha, essa devia ter sido a minha aposta. Mas nem sonhes que vais arrumar o que quer que seja. Eu é que te convidei.
- nem pensar. Cozinhas desarrumadas é uma treta.
André pega nos medicamentos.
- podes dar-me o gelo que está no congelador?
- claro.

Faço o que ele me pede e quando me viro, parece-me que ele está desconfortável.
- dói-me tudo.
Dou-lhe a minha mão e ajudo-o a ir para o sofá.
- seria melhor se te fosses deitar, André. Eu vou-me já embora.
Ele senta-se no sofá.
- Não tenho sono.
- Mas precisas de recuperar.
Ele acena e dou-lhe o gelo.
- Depois vemos as fotografias noutro dia - pego nos pratos e no meu copo. Vou para a cozinha e rapidamente dou um jeito na cozinha.

Quando regresso à sala, pronta para me despedir, dou conta de que André adormeceu. Não há nada mais bonito do que ver aquele seu ar tão sereno, descansado. O movimento do seu peito ritmado e calmo, como se nada o pudesse perturbar. Suspiro ao vê-lo e novamente imagino como seria se... como seria poder estar assim ao lado dele todos os dias, admirar a paz que transmite quando dorme.

Deus! Deve ser maravilhoso.

É hora de me ir embora. Não sei se o devia acordar ou não. Mas... é melhor não ir por aí.
Com cuidado para não fazer barulho, pego nas minhas coisas e também em todo o material que vim aqui buscar. Até pode ser bom. Não vou ter de voltar tão cedo.
- Luísa?
Oiço-o quando já estou perto da porta. Calma, vou pôr as coisas no chão e viro-me.
- André... estava a ir... precisas de ajuda?
André esfrega os olhos.
- Desculpa... acabei por adormecer.
- Não tem mal. Precisas de descansar.
Vejo que ele está com alguma dificuldade em se levantar e não resisto.
- Calma, se quiseres deixo-te no quarto.
Noto que o seu corpo está mais pesado. Deve ser do comprimido que ele tomou.
- Arrumaste tudo.
Eu aceno. - onde é o quarto?
- Por aqui.

André guia-nos até ao quarto. Assim que entramos, dou conta de como é espaçoso. Ajudo-o a sentar-se na cama. Novamente, olhamos um para o outro e a sua face esboça um pequeno sorriso, como é bonito este homem. Os seus olhos já não estão nos meus, estão mais a baixo e a partir daí deixei de raciocinar.

O beijo é demorado.
Primeiro é tímido. Ele apenas encosta os seus lábios nos meus e eu não sei o que fazer. Apenas me deixo ir.
Depois ele já procura toda a minha boca e deixo-o guiar-me.
Finalmente, ele beija-me completamente e sem pudor.

Preciso de respirar e talvez ele também. Afasto-me um pouco e ficamos a olhar-nos.
Não fujo. Atrevo-me a passar a minha mão pela sua face e ele fecha os olhos.
- Descansa.
Sussurro e deixo-o sentado na cama.

Calmamente, vou-me embora.
Sei que isto será efémero. Ele não me ama.

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